São Paulo, sexta, 11 de dezembro de 1998

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Título esconde o verdadeiro teor da obra

especial para a Folha

Não foram poucas as resenhas negativas nos Estados Unidos sobre "Shakespeare - A Invenção do Humano". Na maioria, por causa do título do livro. "A Invenção do Humano" é uma formulação que se presta a equívocos especialmente num livro de crítica literária.
Não é à toa que seu autor tenha por fim batido em retirada, alegando que se tratava apenas de uma metáfora poética incompreendida.
"Não quero que meu argumento e meu título sejam tomados literalmente. Já foram tomados ao pé da letra por uma grande quantidade de resenhistas americanos. Por outro lado, não me preocupo com as resenhas nos Estados Unidos, porque este livro está encontrando o seu público. Foi lançado há cinco semanas e 100 mil pessoas já o compraram e o estão lendo a despeito das resenhas. Há uma verdadeira sede por uma explicação humana e precisa de Shakespeare", afirma Bloom.
É justamente esse aspecto mercadológico, no entanto, que parece contribuir para boa parte do constrangimento da crítica com o título. Porque, na verdade, mais de 600 das 745 páginas nada têm a ver com ele. "Shakespeare - A Invenção do Humano" é, no fundo, um compêndio de interpretação das peças de Shakespeare, dentro de uma perspectiva humanista tradicional, do ponto de vista do "scholar", do especialista. O que, nem por isso, torna a análise menos inteligente.
É, como diz o próprio autor, um auxílio ao leitor, aos frequentadores de teatro e talvez aos próprios diretores e atores.
É uma leitura das peças baseada em 45 anos de experiência do autor como professor de literatura na Universidade de Yale e 11 anos na Universidade de Nova York.
O problema é que o título parece ter sido colado artificialmente ao livro, seja para lhe dar uma aparência "mais teórica" (confrontado com as críticas, o autor refuta agora toda idéia de teoria como "ideologia" do que chama de "escola do ressentimento", reivindicando um sentido de poesia para o título), seja para criar um impacto de marketing. Em ambos os casos, a formulação "a invenção do humano", por sua ambiguidade um tanto leviana, deixa no ar uma suspeita de impostura.
O livro de Harold Bloom certamente não teria recebido as críticas negativas que recebeu tivesse ele se contentado em ser o que, no âmago, realmente é, ou seja: a interpretação culta, cuidadosa e em geral inspirada e brilhante que um excelente professor de literatura inglesa faz dos personagens de Shakespeare. (BC)



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