|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Título esconde o verdadeiro teor da obra
especial para a Folha
Não foram poucas as resenhas
negativas nos Estados Unidos sobre "Shakespeare - A Invenção do
Humano". Na maioria, por causa
do título do livro. "A Invenção do
Humano" é uma formulação que
se presta a equívocos especialmente num livro de crítica literária.
Não é à toa que seu autor tenha
por fim batido em retirada, alegando que se tratava apenas de uma
metáfora poética incompreendida.
"Não quero que meu argumento
e meu título sejam tomados literalmente. Já foram tomados ao pé da
letra por uma grande quantidade
de resenhistas americanos. Por outro lado, não me preocupo com as
resenhas nos Estados Unidos, porque este livro está encontrando o
seu público. Foi lançado há cinco
semanas e 100 mil pessoas já o
compraram e o estão lendo a despeito das resenhas. Há uma verdadeira sede por uma explicação humana e precisa de Shakespeare",
afirma Bloom.
É justamente esse aspecto mercadológico, no entanto, que parece
contribuir para boa parte do constrangimento da crítica com o título. Porque, na verdade, mais de 600
das 745 páginas nada têm a ver
com ele. "Shakespeare - A Invenção do Humano" é, no fundo, um
compêndio de interpretação das
peças de Shakespeare, dentro de
uma perspectiva humanista tradicional, do ponto de vista do "scholar", do especialista. O que, nem
por isso, torna a análise menos inteligente.
É, como diz o próprio autor, um
auxílio ao leitor, aos frequentadores de teatro e talvez aos próprios
diretores e atores.
É uma leitura das peças baseada
em 45 anos de experiência do autor
como professor de literatura na
Universidade de Yale e 11 anos na
Universidade de Nova York.
O problema é que o título parece
ter sido colado artificialmente ao
livro, seja para lhe dar uma aparência "mais teórica" (confrontado com as críticas, o autor refuta
agora toda idéia de teoria como
"ideologia" do que chama de "escola do ressentimento", reivindicando um sentido de poesia para o
título), seja para criar um impacto
de marketing. Em ambos os casos,
a formulação "a invenção do humano", por sua ambiguidade um
tanto leviana, deixa no ar uma suspeita de impostura.
O livro de Harold Bloom certamente não teria recebido as críticas negativas que recebeu tivesse
ele se contentado em ser o que, no
âmago, realmente é, ou seja: a interpretação culta, cuidadosa e em
geral inspirada e brilhante que um
excelente professor de literatura
inglesa faz dos personagens de
Shakespeare.
(BC)
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|