São Paulo, segunda, 12 de janeiro de 1998.




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA MEMÓRIA
Luz Vermelha foi exilado em sua terra

ROGÉRIO SGANZERLA
especial para a Folha

Luz -um nome, um mito e uma legenda em seu próprio tempo. Tempo foge...
Sua história é a de sempre -lúmpen subproletário-rural-, alguém exilado em sua própria terra frente ao destino. Alguns traduzem destino por história.
Dentro e fora das grades, pobreza miserável. Apenas a amargura errante.
Um ser punido (ao contrário do impune aclamado e recebido como herói, quando tem dinheiro como o ladrão de ponte simbólica).
João Acácio foi sacrificado por ser punido. Aos olhos da mídia, retoma o sentido trágico do ser desenraizado, exilado em seu próprio habitat. Como sabemos, o punido nunca é aceito.
Preferem o impune ao punido.
Dostoievsky é pinto na terra da farra do boi.
Pior que o cofre da Universidade do Crime. Onde são encontrados os restos de uma marginalidade pobre, alucinada pelo álcool, a cocaína e a cola de sapato.
Mesmo assim, era respeitado pelos carcereiros da sucursal do inferno, onde a miséria é a mãe de todos os crimes.
Um detento diferente, dominado por esquisitices, manias e neurastenias infindáveis.
No "Pacies" acaboclado, a expressão de poucos amigos. Ninguém entendia o que grunhia com o auxílio de alguns poucos dentes restantes. Emitia sons intermináveis.


A casa de detenção era um círculo do inferno para os seus pacientes

E todo o vocabulário adquirido na prisão: o rei da palavrão. Instável, mas prodigioso em ofensas.
A casa de detenção era um círculo do inferno para seus desgraçados pacientes.
Como sabem, a penitenciária gozava de certa fama e a lama também nunca tem boa fama.
Ali foi visitado por misteriosa madame movida por uma simples curiosidade de moça rica.
Seria ela a pivete Janete Jane ou a misteriosa noiva de Jerônimo, rei do sertão, ou então uma simples emulação, um "fake" da filha do rei do aço?
O Luz delirava.
Na minha frente, a primeira impressão é a da impressionante semelhança física e de voz o ator Paulo Vilaça, que o celebrizou nas telas.
Sem dúvida uma reconstituição histórica.
Luz toma a lei nacional de assalto!
Ex-débil mental, cumpro sua pena esquecendo do detalhe: vivemos no país da impunidade, e, no sentido do roubo, não passava de fichinha... Quem rouba um pão...
A farra do boi é o pano de fundo do sacrifício.
Um destino elado pela injustiça, embora quites com a Justiça...


Rogério Sganzerla é cineasta, diretor de "O Bandido da Luz Vermelha", de 1968, que retrata a vida de João Acácio da Costa, morto na semana passada aos 56 anos


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.