DA REPORTAGEM LOCAL

"Nós nunca mais teremos o silêncio dos 6 anos de idade, quando trançávamos nossos cabelos e dormíamos..." A voz dolente de uma das três irmãs reflete sentimentos como a perda, a dor, o medo da morte e do amor.
O dramaturgo Eduardo Ruiz ("Ophélias", 99) revisita o universo feminino em "Fiz Água para Lavar Teu Rosto", montagem que estréia hoje no Centro Cultural São Paulo, com a Confraria das Três Águas. A direção geral é compartilhada pela companhia. Melani Halpern assina a direção de elenco.
"Em "Ophélias", havia uma densidade poética muito marcante. Agora, eu recorro a uma linguagem mais incorporada ao cotidiano para expor os conflitos", afirma Ruiz, 26, vencedor da 4ª Mostra Sesi de Dramaturgia, em 99, com o texto anterior.
"Fiz Água..." mergulha no embate de três irmãs içadas a ajustar suas emoções, distantes que estão agora do pai e da mãe. Elas não se tratam pelo nome; como anônimas em busca de identidade.
Uma delas, a do meio (interpretada por Júnia Busch), está morta. Na fábula criada por Ruiz, a moça contrapõe vida e morte. No dia em que se passa a peça, a mais velha (Adriana Benetti Fortes) também irá morrer. Ela vive trancada dentro de casa e maldiz a fragilidade dos homens desde que o pai as abandonou quando crianças. A mais nova (Rosana Martinelli), ao contrário, atira-se para a vida e sobrevive em meio a relacionamentos complicados.
Dessa comunhão de desilusões, entre o lirismo e a violência consanguíneos, as irmãs têm poder de verter água de suas mãos, o que empresta um tom de realismo fantástico à história, "superpondo realidade e fantasia", segundo a diretora de elenco.
"A gente construiu uma engenhoca em cena na qual elas retiram água para encher os potes que também servem para guardar desejos e agonias", afirma Melani, 26. Ainda no palco, dois aquários com peixes representam a vida ou podem sugerir a sua gênese no líquido amniótico.
"O processo de transformação das irmãs ao longo da peça é uma confirmação de um amor transcendental", afirma Melani. (VALMIR SANTOS)