São Paulo, terça-feira, 12 de janeiro de 2010

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Provincianismo marca Fashion Rio

Imitações europeias e clichês orientalistas seduzem boa parte das coleções mostradas nos primeiros dias de desfiles

Lucas Nascimento, que deu status ao tricô, e Melk Z-Da, que brincou com texturas da madeira, são destaques no início do evento carioca


ALCINO LEITE NETO
VIVIAN WHITEMAN
ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO

Em ritmo de contagem regressiva para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, que terão o Rio como subsede e sede, é natural que a capital carioca tenha sido tomada por uma onda de autoestima como não se via há tempos.
Tal sentimento também se infiltrou, graças a um forte senso de oportunidade e de marketing, no Fashion Rio, que começou na última sexta e termina amanhã. "Rio, Olímpico e Maravilhoso" é o tema hiperbólico desse outono-inverno.
Porém enquanto o Rio transpira cosmopolitismo, com milhões de turistas estrangeiros nas praias sob um sol de mais de 30C e personalidades do jet-set internacional e mesmo da moda global transitam aqui e ali, entre Ipanema e Búzios, a semana de moda permanece mergulhada num malemolente provincianismo.
A começar da maneira como o evento dispôs nas três salas de desfiles a dúzia e meia de jornalistas estrangeiros que conseguiu reunir: colocando-os separados da plateia nativa, numa fila única, embaixo do pit de fotógrafos, bem de frente para a entrada da passarela. Arrumadinhos e bem organizados diante do resto do público, este pode observá-los todos juntos, em bloco, como se admirasse uma fauna exótica: a dos não brasileiros.

Copilândia desvairada
A missão estrangeira no Rio, no entanto, é só um detalhe. Mais provinciano é o que tem ocorrido nas passarelas, ao menos até o último domingo: um bom número de grifes mais imitativas que criativas, incapazes de impor um valor original às suas criações e recitando sem parar o vocabulário fashion das últimas temporadas europeias. Haja Balenciaga, Lanvin, Givenchy e Dolce & Gabbana para dar conta da moda mostrada no Rio!
Duas exceções brilharam acima da copilândia desvairada: o estreante Lucas Nascimento e Melk Z-Da.
Lucas deu ao tricô força e status com suas alquimias de fios em silhuetas durinhas e estruturadas. Os vestidos formados por microcamadas justapostas pareciam casulos maleáveis, às vezes brilhantes graças ao lurex (fio-chave da temporada) feitos por um bicho da seda mutante que resolveu produzir lã.
Os peitilhos metálicos que decoravam alguns looks e os microshorts à la Lady Gaga trouxeram o deboche necessário para sacodir o styling, ainda um pouco saudoso das barras da saia de Miuccia Prada. O cabelo meio Virginia Woolf ficou muito chique, para copiar já.
Melk Z-Da deu uma de José, o pai dos carpinteiros, brincando com as texturas da madeira. Sua coleção é o neopunk reflorestado, com telas, serragem, madeiras nobres, tudo num divertido e complexo jogo de encaixes. Ousadia, trabalho duro, entalhe: está aí o caminho dos paus e das pedras.
Embora tenham mostrado looks de confecção caprichada, as coleções de grifes como Filhas de Gaia "de Balenciaga", Printing "meu Lanvin" e Coven "aquele Balmain" ficaram na linha do subproduto europeu.
Entre as tendências pré-fabricadas da vez estão o militarismo (misturado ao punk e a outros elementos) e o orientalismo. Os orientais são tratados (ainda) com um exotismo lambuzado por imagens estereotipadas, antigas e românticas, que nada tem a ver com o momento complexo que países como o Japão e a China vivem.
Daí figuras como as colhedoras de chá no desfile da Cavendish, representadas por uma série de bonecas ocas estilizadas, envoltas em babados e microestampas florais.
Walter Rodrigues, que se inspirou no Japão, saiu-se um tanto melhor com seus múltiplos recortes e as silhuetas inspiradas em uniformes. A coleção da Cantão, inspirada na Turquia, também convenceu, ao criar uma ponte entre a estamparia tradicional daquele país e o colorido charme carioca.
Entre imitações e gambiarras, fica aqui a dica de Cazuza: Brasil, mostra a tua cara!


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