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Provincianismo marca Fashion Rio
Imitações europeias e clichês orientalistas seduzem boa parte das coleções mostradas nos primeiros dias de desfiles
Lucas Nascimento, que deu
status ao tricô, e Melk Z-Da,
que brincou com texturas da
madeira, são destaques no
início do evento carioca
ALCINO LEITE NETO
VIVIAN WHITEMAN
ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO
Em ritmo de contagem regressiva para a Copa do Mundo
de 2014 e a Olimpíada de 2016,
que terão o Rio como subsede e
sede, é natural que a capital carioca tenha sido tomada por
uma onda de autoestima como
não se via há tempos.
Tal sentimento também se
infiltrou, graças a um forte senso de oportunidade e de marketing, no Fashion Rio, que começou na última sexta e termina
amanhã. "Rio, Olímpico e Maravilhoso" é o tema hiperbólico
desse outono-inverno.
Porém enquanto o Rio transpira cosmopolitismo, com milhões de turistas estrangeiros
nas praias sob um sol de mais
de 30C e personalidades do
jet-set internacional e mesmo
da moda global transitam aqui
e ali, entre Ipanema e Búzios, a
semana de moda permanece
mergulhada num malemolente
provincianismo.
A começar da maneira como
o evento dispôs nas três salas
de desfiles a dúzia e meia de
jornalistas estrangeiros que
conseguiu reunir: colocando-os separados da plateia nativa,
numa fila única, embaixo do pit
de fotógrafos, bem de frente para a entrada da passarela. Arrumadinhos e bem organizados
diante do resto do público, este
pode observá-los todos juntos,
em bloco, como se admirasse
uma fauna exótica: a dos não
brasileiros.
Copilândia desvairada
A missão estrangeira no Rio,
no entanto, é só um detalhe.
Mais provinciano é o que tem
ocorrido nas passarelas, ao menos até o último domingo: um
bom número de grifes mais
imitativas que criativas, incapazes de impor um valor original às suas criações e recitando
sem parar o vocabulário fashion das últimas temporadas
europeias. Haja Balenciaga,
Lanvin, Givenchy e Dolce &
Gabbana para dar conta da moda mostrada no Rio!
Duas exceções brilharam acima da copilândia desvairada: o
estreante Lucas Nascimento e
Melk Z-Da.
Lucas deu ao tricô força e status com suas alquimias de fios
em silhuetas durinhas e estruturadas. Os vestidos formados
por microcamadas justapostas
pareciam casulos maleáveis, às
vezes brilhantes graças ao lurex
(fio-chave da temporada) feitos
por um bicho da seda mutante
que resolveu produzir lã.
Os peitilhos metálicos que
decoravam alguns looks e os
microshorts à la Lady Gaga
trouxeram o deboche necessário para sacodir o styling, ainda
um pouco saudoso das barras
da saia de Miuccia Prada. O cabelo meio Virginia Woolf ficou
muito chique, para copiar já.
Melk Z-Da deu uma de José,
o pai dos carpinteiros, brincando com as texturas da madeira.
Sua coleção é o neopunk reflorestado, com telas, serragem,
madeiras nobres, tudo num divertido e complexo jogo de encaixes. Ousadia, trabalho duro,
entalhe: está aí o caminho dos
paus e das pedras.
Embora tenham mostrado
looks de confecção caprichada,
as coleções de grifes como Filhas de Gaia "de Balenciaga",
Printing "meu Lanvin" e Coven
"aquele Balmain" ficaram na linha do subproduto europeu.
Entre as tendências pré-fabricadas da vez estão o militarismo (misturado ao punk e a
outros elementos) e o orientalismo. Os orientais são tratados
(ainda) com um exotismo lambuzado por imagens estereotipadas, antigas e românticas,
que nada tem a ver com o momento complexo que países como o Japão e a China vivem.
Daí figuras como as colhedoras de chá no desfile da Cavendish, representadas por uma
série de bonecas ocas estilizadas, envoltas em babados e microestampas florais.
Walter Rodrigues, que se inspirou no Japão, saiu-se um tanto melhor com seus múltiplos
recortes e as silhuetas inspiradas em uniformes. A coleção da
Cantão, inspirada na Turquia,
também convenceu, ao criar
uma ponte entre a estamparia
tradicional daquele país e o colorido charme carioca.
Entre imitações e gambiarras, fica aqui a dica de Cazuza:
Brasil, mostra a tua cara!
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