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ANÁLISE
Foi-se Eric Rohmer, o cineasta das palavras
ANDRÉ BARCINSKI
CRÍTICO DA FOLHA
O cinema está calado. Foi-se
Rohmer, o cineasta das palavras. Ninguém, em mais de 100
anos de cinema, filmou tanta
gente falando sobre tanta coisa
-amor, religião, política, filosofia- quanto ele.
Em seus muitos anos como
crítico, Rohmer defendeu
Hitchcock, Eisenstein, Nicholas Ray, Murnau e Rosselini.
Curiosamente, seu próprio cinema não parecia tão influenciado por seus mestres. Enquanto seus ídolos eram cineastas da ação e da montagem,
Rohmer preferia as palavras.
O francês criou um estilo
próprio, literato e lento, menos
interessado no que os personagens fazem e mais no que estão
pensando. Ou melhor: no que
estão falando, enquanto, minutos depois, fazem exatamente o
oposto do que disseram.
A questão da escolha é central em seus filmes. Seus personagens estão sempre divididos
entre duas tentações, entre
dois caminhos. Católico fervoroso, Rohmer sempre se interessou pela tentação e pelo papel do acaso no destino. A opção de um personagem, por
mais trivial que seja, desencadeia o resto da história.
Não há suspense ou drama
nos filmes de Rohmer, pelo menos não o tipo de drama que
nos acostumamos a esperar do
cinema. Seus personagens e
suas histórias parecem reais. E
só um grande artista para nos
mostrar toda a beleza escondida no cotidiano.
Essa obsessão pela trivialidade parece ser um pecado para
um cineasta, e isso rendeu a
Rohmer muitos detratores. De
todos os grandes nomes da
nouvelle vague, foi o menos
prestigiado na própria França.
Seus filmes foram considerados impenetráveis exercícios
de verborragia. "Eu vi um filme
de Rohmer. Era como ver tinta
secar", diz o detetive interpretado por Gene Hackman em
"Night Moves" (1975), de Arthur Penn. Obcecado pela nouvelle vague e imitador confesso
de Godard, Penn certamente
incluiu a frase como uma piada.
O personagem de Hackman é
um brucutu, ex-atleta, para
quem Rohmer certamente não
interessaria muito. De qualquer forma, é um exemplo interessante de como os filmes de
Rohmer afetavam as pessoas. E
continuam afetando: sua influência é clara em Woody
Allen e Wong Kar-Wai, e até em
Tarantino, outro cineasta que
adora diálogos longos e intricados, e que elegeu Rohmer um
de seus diretores prediletos.
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