São Paulo, Terça-feira, 12 de Janeiro de 1999 |
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PAUL AUSTER "Trilogia" aborda (con)fusão de identidades
da Redação "Especular", explica Paul Auster em "A Trilogia de Nova York", vem do latim "speculatus", que significa espiar, observar, e se liga à palavra "speculum", que quer dizer "espelho". A definição é a chave para a leitura do livro, reunião de três histórias -"Cidade de Vidro", "Fantasmas" e "O Quarto Fechado". Auster, a certa altura do texto, afirma que a "Trilogia" traz uma só história, contada de três maneiras diferentes. Em todas, o que se vê é um personagem encarregado de seguir uma pessoa e que é de tal maneira absorvido por essa atividade que se envolve em um processo de identificação sem volta. Essa questão não se restringe ao âmbito do enredo, estendendo-se à relação do escritor com esses personagens e com a própria escrita. Em "Cidade de Vidro", por exemplo, o personagem Daniel Quinn, um escritor, recebe um telefonema de alguém que procura por um certo Paul Auster, detetive. Quinn decide, então, assumir a falsa identidade. Sua missão é salvar Peter Stillman das garras de seu pai, Peter Stillman também, que o encerrara por muitos anos em um quarto escuro. Auster estabelece uma inversão na relação autor-personagem a partir do momento em que é Quinn que assume a identidade de Auster para atuar em uma história. É o verdadeiro nome do escritor que serve como máscara para o personagem, e não o contrário. Ao mesmo tempo, não se pode deixar de lembrar que Auster, como Quinn, também escreveu sob um pseudônimo no início de sua carreira. E não é somente esse dado de sua vida pessoal que empresta à trama -o filho de Auster, Daniel, dá nome a seu protagonista, e sua mulher, Siri, de origem norueguesa, "desempenha" o mesmo papel no livro: faz a mulher do verdadeiro Paul Auster, escritor, a quem Quinn vai pedir socorro. Ou seja, o escritor está falando de literatura o tempo todo. Mesmo porque a razão pela qual Stillman aprisionara seu filho era o desejo de encontrar uma língua original. Uma pessoa isolada, sem comunicação com o mundo externo, desenvolveria uma linguagem própria, inata, pura, verdadeira. Não reside na relação com a palavra, afinal, a principal questão literária? A problemática reaparece em "Fantasmas", em que um detetive (Blue) é encarregado de vigiar Black, um homem que sai pouco de casa e passa o dia escrevendo. "É como se suas palavras, em vez de relatar os fatos e os assentar de forma palpável no mundo, os induzisse a desaparecer", diz o autor com relação à sensação de Blue ao ler suas anotações sobre Black. As palavras não dão conta da compreensão do mundo ou do significado das coisas. Para Stillman, de "Cidade", a razão é terem sido deturpadas pelo excesso de uso. O que o faz ansiar pelo regresso a um estado primitivo, que, em "Fantasmas", equivale à morte, ou à fusão de dois indivíduos. Fenômeno que, nesta segunda história da "Trilogia", se dá entre aquele que espia e aquele que é espiado ("Tenho observado o sujeito há tanto tempo que o conheço melhor do que a mim mesmo"), mas aproxima-se da relação de um escritor com seu personagem, uma vez que o fato de estar sendo observado por Blue, que escreve sobre ele, se transforma em algo fundamental para Black, que precisa disso para se sentir vivo. A fusão (ou confusão) de indivíduos ressurge em "O Quarto Fechado". O protagonista recebe uma carta da mulher de um amigo de infância que não via fazia anos, Fanshawe, vai ao seu encontro e tem a notícia de que ele sumira. É então incumbido de ler os escritos de Fanshawe e decidir se devem ser publicados ou queimados. Opta pela publicação, transforma Fanshawe em gênio, casa-se com sua mulher e adota seu filho. Mas sabe que o amigo está vivo, pois recebe dele uma ameaça de morte. Para cessar rumores de que Fanshawe seria só um pseudônimo, o narrador decide escrever a biografia do amigo. As investigações que inicia o aproximam dos detetives de "Cidade" e "Fantasmas". A inversão, aqui, se dá entre observador e observado: "Após tantos meses tentando encontrá-lo, agora tinha a sensação de que era eu quem estava sendo procurado". Ao lembrar o parentesco entre "especular" e "espelho" citado acima, Auster assume que a identificação entre o observador e seu objeto (a ponto de um perder-se no outro) é uma via para a vã tentativa de compreender o mundo. O caráter envolvente de suas tramas é um convite ao leitor para participar do processo vivido pelos personagens. Afinal, é ele o observador maior, é a ele que a "Trilogia" diz respeito. (CECÍLIA SAYAD) Livro: A Trilogia de Nova York Lançamento: Companhia das Letras Quanto: R$ 26,50 (334 págs.) O colunista Arnaldo Jabor está em férias Texto Anterior: Filme responde com perguntas Próximo Texto: Joyce Pascowitch Índice |
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