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HISTÓRIA
Família e senzala
HAROLDO CERAVOLO SEREZA
da Reportagem Local
Quem leu o título
acima e pensou em
família como uma
organização apenas
branca na sociedade escravista brasileira tem bons motivos para se debruçar sobre "Na Senzala, uma
Flor", do historiador Robert W.
Slenes, norte-americano radicado
no Brasil e professor da Unicamp.
O livro é um estudo da pouca discutida questão da organização familiar dos escravos brasileiros.
Slenes combina a análise do estudo da história da escravidão no
Brasil e nos EUA com uma apreciação crítica de relatos dos viajantes do século 19 e de dados demográficos, obtidos a partir de
casamentos e batismos de negros
escravizados no Sudeste, realizados pela Igreja Católica.
O título do livro deriva de texto
do viajante Charles Ribeyrol-
les. Ele afirma que, nas habitações
dos escravos no Brasil, "não há famílias, apenas ninhadas". Provavelmente sob influência do economista Adam Smith, diz que a
família não se organiza porque o
pai "não tem interesse algum na
terra, na colheita" e porque a mãe
não pode estar segura de que poderá criar os filhos ("lhe podem
ser tomados a qualquer momento, como os pintos ou os cabritos
da fazenda"). "Nos cubículos dos
negros, jamais vi uma flor: é que lá
não existem nem esperanças nem
recordações."
A "licenciosidade das senzalas",
a idéia de que reinava um completo desregramento sexual entre
os cativos, é o principal alvo de
Slenes. Essa posição uniu intelectuais como Gilberto Freyre, Caio
Prado Jr. e Florestan Fernandes,
com diferentes perspectivas. Fernandes, por exemplo, acreditava
que o sistema produtivo procurava impedir "todas as formas de
solidariedade" entre os escravos,
deixando-os sem regras para a
conduta sexual e sem incentivos
para a formação de unidades familiares ancoradas no tempo.
Slenes acredita que houve, sim,
o que se pode chamar de uma família escrava, baseada em casamentos estáveis. Mostra que, em
Campinas, 61,8% das mulheres
cativas com 15 anos ou mais eram
casadas ou viúvas (dado de 1872).
Vai além: mostra que a organização dessa família era forma de resistir à dominação do fazendeiro.
Organizar uma família significava
alguns direitos (maior privacidade e espaço para produzir, entre
outros), facilitando a acumulação
de pequenas quantias.
Um exemplo dessa tensão dado
por Slenes: o abolicionista Luiz
Gama dirige, em 1872, requerimento pedindo medidas que garantissem a vida do escravo Serafim, morador de Jundiaí e casado
com Romana, "com quem tem
dois filhos menores". No ofício,
Gama escreve que o proprietário
de Serafim "tem pretendido violentamente prostituir a mulher do
suplicante". O trecho mostra não
apenas a valorização do casamento, mas o modo como ele permitia
ao escravo se posicionar contra o
senhor, ainda que tais "direitos"
em geral não fossem respeitados.
Numa sociedade que acenava
com a possibilidade de o escravo
se tornar liberto, a família também servia ao senhor. A discussão
recente da historiografia é definir
em que medida isso se dava. "A
Paz das Senzalas" (Civilização
Brasileira, 1997), de Manolo Florentino e José Roberto Góes, por
exemplo, defende que a família
representava um "pacto" de paz
entre escravos e senhores. Slenes,
no entanto, acha que essa família
"ambígua", com as "experiências
e memórias que engendrava e
transmitia", ajudava a esboçar
uma consciência cativa "desestabilizadora" do sistema escravista.
Avaliação:
Livro: Na Senzala, uma Flor
Autor: Robert W. Slenes
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 21,87 (300 págs.)
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