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WALTER SALLES
Sexo, Athayde de Amar e videotape
Começo pedindo desculpas pela
falha imperdoável. Já estou escrevendo estas mal-traçadas há algum tempo e ainda não lhe apresentei Athayde de Amar.
Revelo logo de saída: pelo menos em termos quantitativos,
Athayde é um dos mais consistentes diretores de cinema do Brasil.
Sua obra já conta com 77 longas, e
o número cresce a razão de 2 filmes por mês. Isso mesmo: por mês.
Aqueles que jamais ouviram falar de Athayde de Amar não devem se espantar. Nem nós, que
convivemos com ele durante anos,
sabíamos do seu feito. Não que
Athayde fosse uma figura desconhecida no meio da produção cinematográfica do Rio de Janeiro.
Pelo contrário. Grande contador
de histórias, dono de uma simpatia sem limites e de um sorriso angelical, Athayde era disputado
por todas as produções da cidade.
Andar na sua Kombi -sim,
porque Athayde foi kombista-
era a garantia de um bom papo,
de piadas apimentadas e de uma
visão hilariante e corrosiva da política brasileira. Se "habia Gobierno", qualquer que ele fosse,
Athayde era contra.
O interesse de Athayde pela arte
cinematográfica ia bem além das
suas obrigações imediatas. Nas
filmagens, postava-se invariavelmente perto da câmera e disparava perguntas. O porquê de uma
câmera na mão em vez do travelling, a decupagem de uma cena,
nada escapava da sua ânsia indagativa.
Sua popularidade acabava assegurando a sua sobrevivência no
set. E, assim, Athayde de Amar foi
se tornando parte de nossas filmagens. Meu irmão João, mais paciente do que eu, adorava confabular com ele. Athayde havia se
tornado figura indispensável na
nossa produtora. Até o dia em que
ele sumiu.
Durante um bom tempo, não
houve quem o encontrasse. Os outros kombistas tentaram, em vão.
Pensamos no pior: Athayde talvez
tivesse sofrido algum acidente, ou
simplesmente abandonado a produção cinematográfica sem aviso
prévio.
Qual não foi a nossa surpresa
quando um amigo nos trouxe
uma revista com uma matéria de
quatro páginas sobre o novo mestre do vídeo erótico brasileiro:
Athayde de Amar. Não havia dúvida: lá estavam o seu rosto negro
e alongado, o seu sorriso luminoso, estampados em página inteira.
A entrevista que acompanhava
a foto dava conta de sua intensa
produção. Revelava também os
seus maiores sucessos: "Ilha da
Perdição", "Fuga para o Prazer",
"Preferência Nacional", além da
sua obra-prima, "As Raspadinhas".
As surpresas iam de vento em
popa. As respostas de Athayde,
bem articuladas, demarcavam
claramente um território de atuação. A do filme erótico, digamos,
experimental. Alguns exemplos:
Athayde filmou a primeira cena
de penetração submarina feita no
Brasil e realizou cenas pioneiras
com travestis, em que estes não
atuavam como elementos passivos. Propunha uma subversão da
ordem no vídeo pornô feito nos
trópicos, de tendência, segundo
ele, arraigadamente machista e
conservadora.
Folheando a revista, aprendo
que Athayde já abocanhou todos
os prêmios da sua especialidade.
Mas o sucesso não o transformou
e, para se lembrar dos amigos de
então, Athayde ainda nos visita
de vez em quando.
Numa dessas vezes, acabou
dando uma carona no seu novo
Jipe 4 x 4 para o produtor suíço
Arthur Cohn. De brincadeira, aviso a Cohn que ele não é o produtor mais prolífico presente no carro, "Como não?", pergunta ele, do
alto de seus cinco filmes com Vittorio de Sica, documentários oscarizados e longas de ficção. Explico
a situação. Depois de alguns instantes de reflexão, Cohn volta a
carga: "Senhor Athayde, quantas
cenas de sexo tem os seus filmes?"
"Oito ou nove, em média", responde Athayde. "É demais", retruca Cohn com ar professoral.
"Não se deve nunca empanturrar
o espectador."
Athayde voltou a nos visitar essa semana. Pretende expandir as
suas atividades. Criou um novo
programa de televisão, "Sexfaction". É um programa jornalístico, garante. O piloto traz a seguinte situação: uma moça revela a
sua paixão pela irmã mais nova e
diz que foi correspondida. Um debate entre uma sexóloga, um padre evangélico e um jurista dissecam o incesto. "É caso verídico,
ibope na certa", assegura.
Tem mais : Athayde pode vir a
dirigir um seriado de ficção para
a TV, "Vivendo a Vida". E acabou há pouco uma adaptação do
"Amante de Lady Chatterley",
agora "Amante do Sexo", no qual
o jardineiro do livro se transforma num mecânico que resolve os
problemas mais exóticos de suas
clientes.
Questiono as razões do sucesso
de sua intensa produção. "É simples", revela Athayde. "Eu não faço vídeo pornô. Faço vídeo erótico, acredito em dramaturgia. Isso
eu saquei logo : sem dramaturgia,
nem sermão de padre evangélico
dá certo."
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