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LIVROS
POESIA
Literatura da América Latina permeia "Rastros de Luz" e "Jardim de Camaleões"
Obras permitem nova visão sobre a tradição neobarroca
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Rastros de Luz" reúne em
um volume três livros da poeta Coral Bracho: "Peixes de Pele
Fugaz" (1977), "O Ser que Vai
Morrer" (1982) e "Terra de Entranha Ardente" (1992). Considerada um dos expoentes da literatura
mexicana contemporânea, Bracho pertence a uma tradição periférica na poesia brasileira, porém
central na tradição hispano-americana: o neobarroco. Para avaliar
melhor seu trabalho e contexto,
um bom caminho é "Jardim de
Camaleões: A Poesia Neobarroca
na América Latina", antologia organizada por Claudio Daniel, com
ensaios introdutórios do cubano
José Kozer e de Haroldo de Campos -que cunhou o termo "neobarroco" antes que ele surgisse no
âmbito hispano-americano, com
Severo Sarduy.
O conceito foi questionado por
estudiosos do barroco, para quem
a "atualização" de procedimentos
estéticos supostamente presentes
no século 17 não passaria de um
anacronismo, de uma projeção
no passado de valores literários
contemporâneos. E talvez o barroco dos neobarrocos jamais tenha existido, mas isso não impediu que essa poética -fundada
numa linguagem convulsiva, saturada e fragmentária, característica do barroco como categoria
"transhistórica"- se transformasse num interpretante das
contradições entre arcaico e moderno do Novo Mundo.
"Jardim de Camaleões" mostra
que o neobarroco não é um movimento (no sentido normativo),
mas a expressão dessa experiência histórica paradoxal, que consiste em transtornar os determinismos locais incorporando "antropofagicamente" outras culturas -e fazendo dessa incorporação um traço latino-americano.
Daí a variedade de dicções presente na antologia, que inclui cubanos como Lezama Lima e Severo Sarduy, brasileiros como Josely
Vianna Baptista, Paulo Leminski
e Horácio Costa, o uruguaio Roberto Echavarren, o argentino
Nestor Perlongher, entre outros.
Presente na antologia, Coral
Bracho corresponde a um aspecto
específico dessa tendência. Em
"Rastros", a poeta busca dissolver
o dualismo sujeito-objeto por
meio de estados de percepção em
que a natureza e as coisas adquirem predicados humanos (daí as
imagens carregadas como "carne
sibilante dos salgueiros" e "chuva
de cipós ébrios"). Ao mesmo tempo, seu "eu lírico" se dessubjetiva,
transforma-se em suporte carnal
para as sensações e para uma poesia que deseja se inscrever na pele
feito tatuagem (lugar-comum da
poética neobarroca).
Há algo de visionário em Bracho, mas que se dá sobretudo no
plano do conteúdo, naquilo que é
dito -e não no "modo" como é
dito. Assim, num dos poemas
metalingüísticos do livro, ela descreve "o deleite das formas/ em
sua contigüidade escarpada, em
sua abissal/ proximidade", como
um "gozo dos contrários". O jorro
verbal da poesia de Bracho, porém, engole tudo num turbilhão,
deixando pouco espaço para escarpas e contrastes.
Rastros de Luz
Autor: Coral Bracho
Tradução: Josely Vianna Baptista
Editora: Mirabilia/Olavobrás
Quanto: R$ 35 (176 págs.)
Jardim de Camaleões: A Poesia Neobarroca na América Latina
Organização: Claudio Daniel
Tradução: Claudio Daniel, Luiz Roberto
Guedes, Glauco Mattoso
Editora: Iluminuras
Quanto: R$ 44 (256 págs.)
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