São Paulo, Sexta-feira, 12 de Fevereiro de 1999
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FILME/CRÍTICA
Longa é só reconstituição

BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha

Em uma das primeiras cenas de "Wilde", filme de Brian Gilbert sobre o escritor irlandês Oscar Wilde, baseado na célebre biografia de Richard Ellmann, uma mulher pergunta para outra durante uma recepção: "Ele é famoso por quê?" Ao que a outra responde: "Por ser ele mesmo."
A resposta tem um sentido ambíguo. Por um lado, Wilde ficou famoso ao escandalizar a sociedade vitoriana com sua homossexualidade interpretada em grande estilo, como um dândi; por ser o que ele era a despeito das convenções. Mas, por outro, também foi um divulgador militante de si mesmo, um dos poucos escritores a ficar mais conhecido pela vida do que pela obra -e cuja vida talvez seja tão ou mais importante do que a própria obra.
A história de Wilde justifica qualquer biografia -ao contrário da maioria dos escritores-, além de poupar ao biógrafo (e a seus leitores) o constrangimento tão frequente de explicar a obra pela vida, os livros pela análise psicológica do autor.
Porque, nesse caso muito específico, a vida já é em grande parte a obra.

Ápice trágico
Toda a vida de Oscar Wilde (1854-1900), em seu confronto com os valores vitorianos, caminha para uma espécie de martírio, de ápice trágico: depois dos escândalos de "O Retrato de Dorian Gray" e de "Salomé", e do sucesso de comédias como "A Importância de Ser Prudente" ("The Importance of Being Earnest"), o escritor é julgado, condenado e encarcerado por homossexualidade, em 1895, graças a um romance conturbado e autodestrutivo com um jovem aristocrata, Alfred "Bosie" Douglas.
Embora raramente bem-sucedido, um dos prazeres potenciais do cinema é o de recriar a vida de mortos ilustres, heróis e mártires. Ressuscitar personagens históricos e épocas passadas. Dar ao espectador a ilusão de conviver com seus ídolos numa espécie de "túnel do tempo", a exemplo do saudoso seriado de TV.

Reconstituição
Se, no geral, essas "cinebiografias" de homens célebres não deixam marcas (e menos ainda boas lembranças: Brian Gilbert já havia dirigido o lamentável "Tom e Viv", sobre o escritor norte-americano naturalizado inglês T.S.Eliot), é porque precisam ser o mais convencionais, o mais "transparentes", para passarem por "reconstituições", para recriar a vida dos mortos como se fosse realidade presente.
Em relação às "cinebiografias", elogios do tipo "trata-se de uma grande invenção" soam, curiosamente, como injúria.
"Wilde", o filme, não foge à regra. É uma reconstituição. Não pretende ser outra coisa. Quer ser verossímil, fiel ao passado. Não tem ambições de criar nada. Nenhuma invenção cinematográfica ou de estilo.
Porque, para "reconstituir", quanto mais neutra e imperceptível a direção, melhor.

Fry
Um filme cuja maior ambição é reconstituir com fidelidade uma vida não pode ser chamado de ruim, mas dificilmente será um grande filme.
Sua maior façanha (ou sorte) é mesmo de elenco. Como publicou o "Daily Telegraph", de Londres, a escolha de Stephen Fry para o papel de Wilde "é uma das menos surpreendentes da história do cinema britânico".
Fry é a cara de Wilde. E é como se o filme não precisasse de muito mais para ser o que é.

Filme: Wilde
Direção: Brian Gilbert
Produção: Inglaterra, 1997
Com: Stephen Fry, Jude Law, Vanessa Redgrave e Michael Sheen
Quando: a partir de hoje, no cine Belas-Artes, sala Mário de Andrade, às 15h, 17h15, 19h30 e 21h45


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