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FILME/CRÍTICA
Longa é só reconstituição
BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha
Em uma das primeiras cenas de
"Wilde", filme de Brian Gilbert sobre o escritor irlandês Oscar Wilde, baseado na célebre biografia de
Richard Ellmann, uma mulher
pergunta para outra durante uma
recepção: "Ele é famoso por quê?"
Ao que a outra responde: "Por ser
ele mesmo."
A resposta tem um sentido ambíguo. Por um lado, Wilde ficou famoso ao escandalizar a sociedade
vitoriana com sua homossexualidade interpretada em grande estilo, como um dândi; por ser o que
ele era a despeito das convenções.
Mas, por outro, também foi um divulgador militante de si mesmo,
um dos poucos escritores a ficar
mais conhecido pela vida do que
pela obra -e cuja vida talvez seja
tão ou mais importante do que a
própria obra.
A história de Wilde justifica
qualquer biografia -ao contrário
da maioria dos escritores-, além
de poupar ao biógrafo (e a seus leitores) o constrangimento tão frequente de explicar a obra pela vida,
os livros pela análise psicológica
do autor.
Porque, nesse caso muito específico, a vida já é em grande parte a
obra.
Ápice trágico
Toda a vida de Oscar Wilde
(1854-1900), em seu confronto
com os valores vitorianos, caminha para uma espécie de martírio,
de ápice trágico: depois dos escândalos de "O Retrato de Dorian
Gray" e de "Salomé", e do sucesso
de comédias como "A Importância
de Ser Prudente" ("The Importance of Being Earnest"), o escritor é
julgado, condenado e encarcerado
por homossexualidade, em 1895,
graças a um romance conturbado e
autodestrutivo com um jovem
aristocrata, Alfred "Bosie" Douglas.
Embora raramente bem-sucedido, um dos prazeres potenciais do
cinema é o de recriar a vida de
mortos ilustres, heróis e mártires.
Ressuscitar personagens históricos e épocas passadas. Dar ao espectador a ilusão de conviver com
seus ídolos numa espécie de "túnel
do tempo", a exemplo do saudoso
seriado de TV.
Reconstituição
Se, no geral, essas "cinebiografias" de homens célebres não deixam marcas (e menos ainda boas
lembranças: Brian Gilbert já havia
dirigido o lamentável "Tom e Viv",
sobre o escritor norte-americano
naturalizado inglês T.S.Eliot), é
porque precisam ser o mais convencionais, o mais "transparentes", para passarem por "reconstituições", para recriar a vida dos
mortos como se fosse realidade
presente.
Em relação às "cinebiografias",
elogios do tipo "trata-se de uma
grande invenção" soam, curiosamente, como injúria.
"Wilde", o filme, não foge à regra. É uma reconstituição. Não
pretende ser outra coisa. Quer ser
verossímil, fiel ao passado. Não
tem ambições de criar nada. Nenhuma invenção cinematográfica
ou de estilo.
Porque, para "reconstituir",
quanto mais neutra e imperceptível a direção, melhor.
Fry
Um filme cuja maior ambição é
reconstituir com fidelidade uma
vida não pode ser chamado de
ruim, mas dificilmente será um
grande filme.
Sua maior façanha (ou sorte) é
mesmo de elenco. Como publicou
o "Daily Telegraph", de Londres, a
escolha de Stephen Fry para o papel de Wilde "é uma das menos
surpreendentes da história do cinema britânico".
Fry é a cara de Wilde. E é como se
o filme não precisasse de muito
mais para ser o que é.
Filme: Wilde
Direção: Brian Gilbert
Produção: Inglaterra, 1997
Com: Stephen Fry, Jude Law, Vanessa
Redgrave e Michael Sheen
Quando: a partir de hoje, no cine Belas-Artes, sala Mário de Andrade, às 15h, 17h15,
19h30 e 21h45
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