São Paulo, Sexta-feira, 12 de Fevereiro de 1999
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"CONTOS DE LYGIA"
Pretensão soterra relatos fantásticos

da Equipe de Articulistas

A escritora Lygia Fagundes Telles não tem dado muita sorte no cinema. Três anos depois do fraco "As Meninas", de Emiliano Ribeiro, surge agora este "Contos de Lygia", de Del Rangel, que desperdiça boas idéias contidas nas narrativas da autora.
A melhor coisa dos três episódios do longa-metragem são exatamente os esqueletos narrativos fornecidos pelos textos.
Os dois primeiros segmentos -"Venha Ver o Pôr-do-Sol" e "A Caçada"- inspiram-se nos contos homônimos da escritora. Já o último episódio, "A Fuga", mistura elementos de dois relatos, "A Fuga" e "Os Objetos".
Todas as três histórias contadas no filme tocam, de alguma maneira, as fronteiras do fantástico.
Na primeira, um jovem de classe média (Tarcisio Filho) convence sua ex-namorada Vânia (Viviane Pasmanter) a se encontrar com ele num cemitério abandonado.
O problema é que o novo namorado de Vânia, o delegado de polícia Edgard (Luís Guilherme), segue os dois, armado e disposto a qualquer coisa.
Há uma atmosfera macabra, que lembra vagamente as histórias de Edgar Alan Poe, mas tudo é posto a perder pela frouxidão do roteiro e pela indecisão geral da "mise-en-scène", sobretudo na direção de atores.

Discussão esotérica
As coisas se complicam no segundo episódio, "A Caçada". No conto original, um homem que contempla num antiquário uma velha tapeçaria representando uma caçada vê-se aos poucos transportado para o interior da cena retratada, como se a tivesse vivido em outra existência.
Esse belo argumento, desenvolvido à perfeição no conto, se perde em meio a uma pretensiosa e rasa discussão sobre predestinação, sinestesia e outros clichês esotéricos, levada a cabo por um roteirista de cinema (Celso Frateschi) em vias de fazer um filme.
No último segmento, "A Fuga", um homem (Gianfrancesco Guarnieri) que sabe estar à beira da morte por causa de um câncer no pulmão dedica-se a torturar psicologicamente a mulher (Natália Thimberg).
As discussões cruéis e intermináveis entre os dois parecem ter como único objetivo tornar a vida do espectador tão insuportável quanto as deles, pelo menos durante uma longa meia hora.
Há a ameaça de uma boa idéia -o homem assistir "de fora" à sua própria morte-, mas ela é prontamente soterrada pelo esteticismo vazio do conjunto.

Episódios fantásticos
As três histórias poderiam gerar bons episódios fantásticos, na linha de "Além da Imaginação" ou dos filmes baratos de terror dos anos 50.
Para isso, contudo, seria preciso que a adaptação cinematográfica privilegiasse a objetividade narrativa e a clareza de exposição.
Aparentemente, os realizadores acharam que isso seria pouco e optaram por inflar tudo com uma estética pseudo-sofisticada, feita de cenários esquisitos, muita contra-luz, closes em objetos de pedra-sabão e diálogos empolados.
Tudo somado, até agora o melhor filme inspirado (ainda que vagamente) na obra de Lygia -por sinal, no mesmo "A Caçada"- é "As Três Mortes de Solano", dirigido pelo cineasta Roberto Santos em 1975.
(JGC)
Filme: Contos de Lygia Produção: Brasil, 1998 Direção: Del Rangel Com: Gianfrancesco Guarnieri, Natália Thimberg, Tarcisio Filho, Andrea Pozzi, Celso Frateschi, Viviane Pasmanter, Luís Guilherme Quando: estréia hoje no cine SP Market 5


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