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ANÁLISE
Melhores momentos de uma arte decorrem da desvinculação do poder
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA
Desde os anos 50 o cinema brasileiro não teve uma década tão
estranha quanto a de 90. Começou com o fechamento da Embrafilme, no primeiro dia do governo
do ex-presidente Fernando Collor
de Mello (90-92). O pessoal do cinema odeia Collor por isso. Na
verdade, é uma medida que poderia ter engrandecido esse governo, não fosse ela de plena má-fé.
Collor não queria acabar com a
Embrafilme, e sim com o cinema
do Brasil. Foi o que se pode chamar de tiro pela culatra: o fim da
empresa acabou colocando o cinema em relevo e abriu espaço
para a necessidade do debate sobre produção de imagens do país.
Mais: se por fatos reais ou imaginários o cinema era estigmatizado pela mídia, virou subitamente vítima. E todo mundo tem
simpatia pelas vítimas. Se, logo
após o fim da Embrafilme a produção estancou, filmes que surgem em meados da década demonstram uma vitalidade exemplar, como a significar que o desejo de mostrar imagens não sucumbiria tão fácil. Em geral, esses
são os melhores momentos de
uma arte: quando sua vinculação
ao poder é mínima ou, de preferência, inexiste.
É aí que surgem as promessas
mais significativas do cinema brasileiro nesta década: Lirio Ferreira
e Paulo Caldas ("Baile Perfumado"), Tata Amaral ("Um Céu de
Estrelas") e Beto Brant ("O Matador"), entre outros. Ou quando se
confirma o talento de um Ugo
Giorgetti ("Sábado"). No Rio,
Walter Lima vem com "O Monge
e a Filha do Carrasco". Em São
Paulo, Carlos Reichenbach aparece com "Alma Corsária".
São filmes imperfeitos, quase
sempre arrancados do nada, feitos na raça e destinados a público
nenhum (pois o hábito de ver filmes nacionais se perdera e os cinemas praticamente não os exibiam). Mas é da imperfeição e da
precariedade que esses filmes tiram boa parte de seu encanto.
A segunda metade da década é,
como gosta de chamar o MinC, de
"retomada". Portanto, de política.
A Lei do Audiovisual passa a funcionar. Os recursos abundam. Os
filmes passam por um período de
acentuado aperfeiçoamento técnico. E de corrida ao Oscar! Como
o novo rico que se enche de adornos sem perceber o ridículo da
coisa, não raro os filmes passam a
ostentar produção e a cortejar desavergonhadamente o público.
A média da produção decai,
apesar das exceções. A mais evidente é "Central do Brasil". Feito
num momento em que o Real ia
de vento em popa (ou parecia ir),
esse foi o filme de um país em
busca de sua regeneração. Oportuno, mas não oportunista, o que
de fato interessa ali é a sincera e
obstinada busca do pai. Ela faz a
força do filme, para além de reservas que possa suscitar. Menos evidentes, não raro muito atacados,
são "Orfeu", de Carlos Diegues, e
"O Viajante",de Paulo Cesar Saraceni (que acredito ser a obra-prima brasileira da década). Um é cinema-espetáculo. O outro, cinema novo ortodoxo.
Do ponto de vista político, a segunda metade da década assistiu
à ascensão e queda do modelo de
financiamento por renúncia fiscal. Chegou-se hoje ao ponto central da questão: como fazer filmes
(e querer que sejam lucrativos) se
não há exibição consistente para
eles? Nessa hora entra a TV. Como estabelecer contato com ela,
sem fazer do cinema seu apêndice
é o maior abacaxi que terá de ser
descascado no novo século.
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