São Paulo, segunda-feira, 12 de março de 2001

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ARIANO SUASSUNA

O paraibano do século

ALMANAQUE ARMORIAL
Grande Logogrifo Brasileiro da Arte, do Real e da Beleza, contendo idéias, enigmas, lembranças, informações, comentários e a narração de casos acontecidos ou inventados, escritos em prosa e verso e reunidos, num Livro Negro do Cotidiano, pelo Bacharel em Filosofia e Licenciado em Artes Ariano Suassuna


VIVA AUGUSTO DOS ANJOS

Em 1971, no prefácio que fiz para As Emboscadas da Sorte, de Maximiano Campos, afirmei:
"Todos nós que escrevemos, no Nordeste, depois da geração de escritores dos anos 30, temos uma grande influência dos regionalistas, reunidos em torno de Gilberto Freyre, sendo que, tanto no meu caso quanto no de Maximiano Campos, a influência de José Lins do Rego foi a mais profunda de todas. Explica-se: eu e ele somos mais seduzidos pela poesia, pelo romance, pelo teatro, de modo que livros como Fogo Morto, Pedra Bonita e Cangaceiros teriam que nos tocar mais (...). Todos nós, agora, formamos uma espécie de quinto episódio da Escola Nordestina, que, depois do período barroco dos séculos 16, 17 e 18, teve na Escola do Recife seu segundo grande momento a partir da década 1870-1880. A Escola do Recife, reunida em torno de Tobias Barreto e Sylvio Romero, teria um papel decisivo na criação da literatura nordestina e enorme influência sobre toda a literatura brasileira. Mas teria, também, grande importância pelo movimento pré-modernista que deflagrou e que, como terceiro episódio da Escola Nordestina, viria a dar origem a dois livros geniais e que se assemelham em vários aspectos: Os Sertões, de Euclydes da Cunha, e Eu, de Augusto dos Anjos. Na verdade, Os Sertões e seu autor pertencem à linhagem de Sylvio Romero; e Eu também resulta da Escola do Recife, porque a poesia de Augusto dos Anjos é que iria realizar tudo aquilo que a "poesia científica" de Martins Júnior (discípulo de Tobias Barreto e companheiro de Sylvio Romero) sonhara e não fizera. Ambos são livros solitários, grandes, ásperos, arrevesados. Ambos padecem de cientismo. Ambos são livros de duende, para usar uma expressão de García Lorca. O duende de todos dois é fúnebre, se bem que, aí, haja uma diferença, porque o duende de Augusto dos Anjos é mais noturno e esverdeado e o de Euclydes da Cunha é mais ensolarado e pardo, o que, talvez, se deva às próprias diferenças que existem entre a mata e o sertão."
Transcrevo essas minhas palavras de 1971 primeiro para mostrar como é antiga minha admiração por Augusto dos Anjos. Todas as pessoas que me conhecem sabem que considero Os Sertões como o ensaio mais importante até hoje escrito para interpretar o Brasil e seu povo. Assim, ao dizer que Eu, de Augusto dos Anjos, é o equivalente de Os Sertões no campo da poesia, estou dando uma idéia daquilo que o grande poeta paraibano representou e representa em meu universo de escritor.
Em segundo lugar, se resolvi reproduzir aquelas palavras em que fiz o elogio de Augusto dos Anjos, é porque a Rede Globo Nordeste está promovendo, em meu Estado natal, uma eleição popular para a escolha do paraibano do século. E, com grande alegria, recebo a notícia de que Augusto dos Anjos está ganhando a eleição, numa lista da qual Celso Furtado e eu somos os únicos vivos.
O fato, aliás, repete o que aconteceu com Augusto dos Anjos em vida e logo depois de sua morte: praticamente expulso da Paraíba pelos poderosos, sofreu as maiores dificuldades no Rio e em Minas. Não encontrou editor que o publicasse. Morreu tuberculoso, aos 29 anos, como professor, numa cidade do interior de Minas Gerais. E o único livro que nos deixou foi impresso às suas custas, com auxílio de um irmão, que juntou seus também parcos recursos aos dele.
Depois, foi a injustiça dos intelectuais, que o ignoravam ou desprezavam. Honra se faça a Órris Soares, único crítico a, de início, perceber sua importância, enquanto um culto, silencioso mas constante, lhe era prestado pela memória do povo, que nunca o esqueceu e cuja admiração, ao longo dos anos, causou edições e mais edições daquele livro estranho e poderoso para o qual os "intelectuais" torciam o nariz.
E esta não é, somente, uma opinião pessoal, minha. Veja-se, por exemplo, o que sobre nosso grande poeta escreveu José Paulo Paes no Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira: "Em mais de um aspecto, Augusto dos Anjos constitui um caso na literatura brasileira. Em primeiro lugar, pela intrigante popularidade de Eu e Outras Poesias que, a despeito (ou por causa) da crueza dos temas e da rebarbativa linguagem científica, já alcançou mais de 30 edições, sendo de notar que só recentemente começou o livro a merecer a devida atenção da crítica. Depois, pela singularidade mesma da sua poesia".
Quer dizer: não existe mais nem silêncio nem hostilidade. Alguns dos melhores críticos brasileiros começam a perceber a importância do grande poeta que o povo da Paraíba está repondo num trono que sempre foi seu. E esse é o caminho certo: na minha visão das coisas, títulos como esse devem coroar a cabeça de poetas, de romancistas, de dramaturgos ou de ensaístas. Se fôssemos chamados a escolher o espanhol ou o inglês do milênio, acho que ninguém teria dúvida: os eleitos seriam Cervantes e Shakespeare, porque os artistas são aqueles que melhor encarnam, resumem e simbolizam seus povos. Assim, peço às pessoas que eventualmente ainda pensam em sufragar meu nome, que se juntem a mim para votarmos em Augusto dos Anjos, a fim de que a Paraíba não deixe de dar a seu maior poeta o título de paraibano do século.
Continua na próxima semana.


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