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ARIANO SUASSUNA
O paraibano do século
ALMANAQUE ARMORIAL
Grande Logogrifo Brasileiro da Arte, do Real e da Beleza, contendo idéias, enigmas, lembranças, informações, comentários e a narração de casos acontecidos ou inventados, escritos em prosa e verso e reunidos, num Livro Negro do Cotidiano, pelo Bacharel em Filosofia e Licenciado em Artes Ariano Suassuna
VIVA AUGUSTO DOS ANJOS
Em 1971, no prefácio que fiz para As Emboscadas da Sorte, de
Maximiano Campos, afirmei:
"Todos nós que escrevemos, no
Nordeste, depois da geração de
escritores dos anos 30, temos uma
grande influência dos regionalistas, reunidos em torno de Gilberto Freyre, sendo que, tanto no
meu caso quanto no de Maximiano Campos, a influência de José
Lins do Rego foi a mais profunda
de todas. Explica-se: eu e ele somos mais seduzidos pela poesia,
pelo romance, pelo teatro, de modo que livros como Fogo Morto,
Pedra Bonita e Cangaceiros teriam que nos tocar mais (...). Todos nós, agora, formamos uma
espécie de quinto episódio da Escola Nordestina, que, depois do
período barroco dos séculos 16, 17
e 18, teve na Escola do Recife seu
segundo grande momento a partir da década 1870-1880. A Escola
do Recife, reunida em torno de
Tobias Barreto e Sylvio Romero,
teria um papel decisivo na criação
da literatura nordestina e enorme
influência sobre toda a literatura
brasileira. Mas teria, também,
grande importância pelo movimento pré-modernista que deflagrou e que, como terceiro episódio da Escola Nordestina, viria a
dar origem a dois livros geniais e
que se assemelham em vários aspectos: Os Sertões, de Euclydes
da Cunha, e Eu, de Augusto dos
Anjos. Na verdade, Os Sertões e
seu autor pertencem à linhagem
de Sylvio Romero; e Eu também
resulta da Escola do Recife, porque a poesia de Augusto dos Anjos é que iria realizar tudo aquilo
que a "poesia científica" de Martins Júnior (discípulo de Tobias
Barreto e companheiro de Sylvio
Romero) sonhara e não fizera.
Ambos são livros solitários, grandes, ásperos, arrevesados. Ambos
padecem de cientismo. Ambos
são livros de duende, para usar
uma expressão de García Lorca. O
duende de todos dois é fúnebre, se
bem que, aí, haja uma diferença,
porque o duende de Augusto dos
Anjos é mais noturno e esverdeado e o de Euclydes da Cunha é
mais ensolarado e pardo, o que,
talvez, se deva às próprias diferenças que existem entre a mata e o
sertão."
Transcrevo essas minhas palavras de 1971 primeiro para mostrar como é antiga minha admiração por Augusto dos Anjos. Todas as pessoas que me conhecem
sabem que considero Os Sertões
como o ensaio mais importante
até hoje escrito para interpretar o
Brasil e seu povo. Assim, ao dizer
que Eu, de Augusto dos Anjos, é o
equivalente de Os Sertões no
campo da poesia, estou dando
uma idéia daquilo que o grande
poeta paraibano representou e representa em meu universo de escritor.
Em segundo lugar, se resolvi reproduzir aquelas palavras em que
fiz o elogio de Augusto dos Anjos,
é porque a Rede Globo Nordeste
está promovendo, em meu Estado natal, uma eleição popular para a escolha do paraibano do século. E, com grande alegria, recebo a notícia de que Augusto dos
Anjos está ganhando a eleição,
numa lista da qual Celso Furtado
e eu somos os únicos vivos.
O fato, aliás, repete o que aconteceu com Augusto dos Anjos em
vida e logo depois de sua morte:
praticamente expulso da Paraíba
pelos poderosos, sofreu as maiores dificuldades no Rio e em Minas. Não encontrou editor que o
publicasse. Morreu tuberculoso,
aos 29 anos, como professor, numa cidade do interior de Minas
Gerais. E o único livro que nos
deixou foi impresso às suas custas, com auxílio de um irmão, que
juntou seus também parcos recursos aos dele.
Depois, foi a injustiça dos intelectuais, que o ignoravam ou desprezavam. Honra se faça a Órris
Soares, único crítico a, de início,
perceber sua importância, enquanto um culto, silencioso mas
constante, lhe era prestado pela
memória do povo, que nunca o
esqueceu e cuja admiração, ao
longo dos anos, causou edições e
mais edições daquele livro estranho e poderoso para o qual os "intelectuais" torciam o nariz.
E esta não é, somente, uma opinião pessoal, minha. Veja-se, por
exemplo, o que sobre nosso grande poeta escreveu José Paulo Paes
no Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira: "Em mais de
um aspecto, Augusto dos Anjos
constitui um caso na literatura
brasileira. Em primeiro lugar, pela intrigante popularidade de Eu e Outras Poesias que, a despeito
(ou por causa) da crueza dos temas e da rebarbativa linguagem
científica, já alcançou mais de 30
edições, sendo de notar que só recentemente começou o livro a
merecer a devida atenção da crítica. Depois, pela singularidade
mesma da sua poesia".
Quer dizer: não existe mais nem
silêncio nem hostilidade. Alguns
dos melhores críticos brasileiros
começam a perceber a importância do grande poeta que o povo da
Paraíba está repondo num trono
que sempre foi seu. E esse é o caminho certo: na minha visão das
coisas, títulos como esse devem
coroar a cabeça de poetas, de romancistas, de dramaturgos ou de
ensaístas. Se fôssemos chamados
a escolher o espanhol ou o inglês
do milênio, acho que ninguém teria dúvida: os eleitos seriam Cervantes e Shakespeare, porque os
artistas são aqueles que melhor
encarnam, resumem e simbolizam seus povos. Assim, peço às
pessoas que eventualmente ainda
pensam em sufragar meu nome,
que se juntem a mim para votarmos em Augusto dos Anjos, a fim
de que a Paraíba não deixe de dar
a seu maior poeta o título de paraibano do século.
Continua na próxima semana.
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