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LIVROS
POESIA
Lançada no Brasil "Canções da Inocência e da Experiência", famosa obra do inglês
Edição bilíngüe traz canções do visionário William Blake
RODRIGO GARCIA LOPES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Figura inclassificável da literatura mundial, o poeta, gravador, pintor e impressor inglês
William Blake (1757-1827) tem
pela primeira vez publicada no
Brasil uma edição integral de um
de seus livros mais famosos,
"Canções da Inocência e da Experiência". O volume traz poemas
clássicos do bardo visionário, como "O Limpador de Chaminés",
"Uma Planta Venenosa", "Londres", "Ah, Girassol", "A Rosa
Doente" e, claro, "O Tigre", seu
poema mais conhecido.
Editar a poesia de Blake oferece,
de cara, um problema. O ideal seria publicar as canções como foram concebidas pelo artista: como iluminuras, onde o texto, o
desenho e a pintura mantêm íntimas relações entre si. Mas isso
não diminui a importância desta
publicação.
Escrito num tempo em que o
autor testemunhava, atordoado,
pelo menos três grandes revoluções -a industrial, a francesa e a
americana- as canções de "inocência" formam uma imagem
complementar com as canções de
"experiência". E preparam o terreno para as grandes experiências
de sua obra mais polêmica, escrita
posteriormente.
As primeiras cantigas são escritas em linguagem "ingênua", ao
modo dos hinos de igreja e das
"nursery rhymes", baseadas na
repetição, na espontaneidade e no
vocabulário simples, características recuperadas na tradução. Blake, no entanto, já rompe com as
convenções do gênero das cantigas de criança. Como lembra Maria Esther Maciel na introdução:
"O ingênuo, nesse caso, tem função subversiva: desafiar as exigências da racionalidade imperante,
fazendo emergir uma infantilidade desconcertante em um lugar e
um contexto em que ela já não é
esperada". O poeta usava de ritmos e de toda uma convenção de
poesia infantil para lançar as bases de sua crítica corrosiva -social e, sim, política- que atingirá
sua força máxima nos poemas
proféticos da última fase. Um ataque veemente ao trabalho escravo
infantil, por exemplo, ocorre nas
duas versões de "O Limpador de
Chaminés". Na primeira estrofe,
o narrador mirim denuncia:
"Quando mamãe morreu eu era
bem moleque, / E ao vender-me
meu pai, minha língua a custo é
que / gritava "arre "arre "arre "arre-dor: / Durmo em fuligem, das
chaminés sou varredor". Já servindo de contraponto "adulto", as
canções da experiência, em linguagem mais madura, denunciam o racismo, as injustiças sociais e a pobreza decorrentes do
industrialismo.
Solenemente ignorado em seu
tempo, tendo vivido e morrido na
pobreza, fazendo seus próprios livros artesanalmente, Blake acreditava que a poesia tinha uma
missão profética e visionária.
Bem diferente do cinismo e materialismo contemporâneos, quando muitos escritores e críticos parecem não acreditar mais no poder transformador da palavra,
Blake acreditava na real possibilidade de transformar o mundo
através da poesia e da imaginação. E foi chamado de "louco".
Em tempos em que a pose parece ser mais importante que a poesia, em que a "imaginação" é
substituída pelo consumo, vale a
pena reler o poeta para quem
"energia era delícia eterna", alguém que foi capaz de ver o infinito num grão de areia.
Rodrigo Garcia Lopes é autor de "Nômada" (Lamparina) e "Mindscapes: Poemas de Laura Riding" (Iluminuras).
Canções da Inocência e da Experiência
Autor: William Blake
Tradução: Mário Alves Coutinho e Leonardo Gonçalves
Editora: Crisálida
Quanto: R$ 23 (152 págs., edição
bilíngüe português/ inglês)
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