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ROMANCE/"CALCINHA NO VARAL"
Estreante investe em realismo lírico
CRÍTICO DA FOLHA
"Calcinha no Varal", primeiro romance da escritora e roteirista (é dela o roteiro de
"Desmundo") Sabina Anzuategui, 30, lê-se como um conto, de
uma sentada. Além de breve,
prende -como os bons contos
deveriam prender- a atenção do
leitor desde a primeira página.
A história não apresenta surpresas. Juliana, uma jovem de 19
anos, entra numa faculdade pública de São Paulo, para cursar cinema, e, em vez de cuidar dos estudos, gasta a maior parte do tempo com amigos em barzinhos,
viagens, transas, namoros, isso,
dentre as atividades lícitas, é claro.
Juliana vem de uma família de
classe média baixa. Tem dificuldades e descobre um ou dois fatos
mais candentes sobre a vida. A
obra poderia ser chamada de uma
novela de formação, se tal julgamento não fosse pomposo demais, e a ação (e as descobertas)
escassa demais, para tanto.
A graça, portanto, não está tanto na história, mas na forma como
a autora a conduz. Ela parece trilhar caminho tantas vezes palmilhado, mas o apresenta com suficiente frescor de expressão para
fazer-nos vê-lo como se fosse pela
primeira vez. Na verdade, toda
ficção aspira a criar mundos e
pessoas que sejam identificáveis,
a dar a ilusão de que essas figuras
no papel de fato existem. Mas a
identificação neste livro é ainda
mais imediata. A todo momento,
o leitor sente ímpeto de dizer:
"Puxa, é isso mesmo".
Trata-se de um realismo, mas
não do tipo naturalista que há algum tempo abunda na prosa brasileira, repleto de crimes, taras, de
um regionalismo transportado
para o terreno urbano. O de Anzuategui refere-se mais a um realismo atento para os detalhes do
cotidiano, um realismo lírico.
O título "Calcinha no Varal" é
sugestivo. Sugere um relato sobre
situações tão íntimas quanto essa
peça do vestuário (e há um bocado de coisas íntimas descritas, do
sexo anal às excreções corporais,
das drogas ao aborto), mas que
são narradas como se estivessem
expostas ao olhar público, ou seja,
"no varal". Além disso, o termo
"calcinha" aparece no lugar daquilo de que fala o romance, a
mulher. Trata-se de uma velha figura da linguagem denominada
metonímia; o emprego de uma
palavra (calcinha) por outra com
que tem relação (a mulher), como
se disséssemos, por exemplo, que
fulano é um bom "garfo".
Da mesma forma, o texto enfoca uma mulher particular, uma
jovem chamada Juliana, com seus
problemas específicos, mas, por
meio dela, refere-se a um grupo
mais geral de mulheres e mesmo
de leitores de ambos os sexos, que
passam, passaram ou poderiam
ter passado por situações semelhantes. A graça do livro reside
justamente na sua capacidade de
gerar essa metonímia.
(MP)
Calcinha no Varal
Autor: Sabina Anzuategui
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 29,50 (112 págs.)
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