São Paulo, sábado, 12 de março de 2005

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ROMANCE/"CALCINHA NO VARAL"

Estreante investe em realismo lírico

CRÍTICO DA FOLHA

"Calcinha no Varal", primeiro romance da escritora e roteirista (é dela o roteiro de "Desmundo") Sabina Anzuategui, 30, lê-se como um conto, de uma sentada. Além de breve, prende -como os bons contos deveriam prender- a atenção do leitor desde a primeira página.
A história não apresenta surpresas. Juliana, uma jovem de 19 anos, entra numa faculdade pública de São Paulo, para cursar cinema, e, em vez de cuidar dos estudos, gasta a maior parte do tempo com amigos em barzinhos, viagens, transas, namoros, isso, dentre as atividades lícitas, é claro.
Juliana vem de uma família de classe média baixa. Tem dificuldades e descobre um ou dois fatos mais candentes sobre a vida. A obra poderia ser chamada de uma novela de formação, se tal julgamento não fosse pomposo demais, e a ação (e as descobertas) escassa demais, para tanto.
A graça, portanto, não está tanto na história, mas na forma como a autora a conduz. Ela parece trilhar caminho tantas vezes palmilhado, mas o apresenta com suficiente frescor de expressão para fazer-nos vê-lo como se fosse pela primeira vez. Na verdade, toda ficção aspira a criar mundos e pessoas que sejam identificáveis, a dar a ilusão de que essas figuras no papel de fato existem. Mas a identificação neste livro é ainda mais imediata. A todo momento, o leitor sente ímpeto de dizer: "Puxa, é isso mesmo".
Trata-se de um realismo, mas não do tipo naturalista que há algum tempo abunda na prosa brasileira, repleto de crimes, taras, de um regionalismo transportado para o terreno urbano. O de Anzuategui refere-se mais a um realismo atento para os detalhes do cotidiano, um realismo lírico.
O título "Calcinha no Varal" é sugestivo. Sugere um relato sobre situações tão íntimas quanto essa peça do vestuário (e há um bocado de coisas íntimas descritas, do sexo anal às excreções corporais, das drogas ao aborto), mas que são narradas como se estivessem expostas ao olhar público, ou seja, "no varal". Além disso, o termo "calcinha" aparece no lugar daquilo de que fala o romance, a mulher. Trata-se de uma velha figura da linguagem denominada metonímia; o emprego de uma palavra (calcinha) por outra com que tem relação (a mulher), como se disséssemos, por exemplo, que fulano é um bom "garfo".
Da mesma forma, o texto enfoca uma mulher particular, uma jovem chamada Juliana, com seus problemas específicos, mas, por meio dela, refere-se a um grupo mais geral de mulheres e mesmo de leitores de ambos os sexos, que passam, passaram ou poderiam ter passado por situações semelhantes. A graça do livro reside justamente na sua capacidade de gerar essa metonímia. (MP)


Calcinha no Varal
   
Autor: Sabina Anzuategui
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 29,50 (112 págs.)


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