São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TELEVISÃO

Benedito Ruy Barbosa volta a abordar período da Abolição em "Sinhá Moça", remake da novela que estreou em 86

Autor retoma discussão sobre o racismo


"Agora estou trabalhando na próxima novela das oito, com foco político no Brasil de hoje. Será rural e urbana, meio a meio. Mexo com coisas sérias."

"Veja o racismo no futebol. Há agressões estúpidas, que mostram um racismo bobo [...] A novela traz essa lembrança trágica que ainda existe"

MARCELO BARTOLOMEI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

Em 2002, Benedito Ruy Barbosa, o novelista que subverteu a dramaturgia com o vôo do tuiuiú nos anos 90 com "Pantanal", na extinta Manchete, quase morreu -de desgosto. Foi quando, afetado por um desgaste emocional e por problemas de saúde, pediu afastamento de "Esperança", um quase fracasso do horário nobre da Globo.
Recuperado (na última quarta-feira, o novelista passou por um check-up cardíaco, constatando que, sim, está tudo bem) e de volta à TV, Barbosa reaparece na emissora com o remake de "Sinhá Moça", obra sua inspirada no romance de Maria Pacheco Fernandes e agora adaptada por suas próprias filhas Edmara e Edilene, que estréia amanhã, às 18h na Globo.
No entanto, a plena forma como autor de mais de 25 novelas deve se consolidar entre 2007 e 2008, quando estréia seu primeiro texto original no horário nobre desde seu afastamento. É quando reescreverá "Pantanal", cujos direitos já foram adquiridos pela Globo -não em forma de remake, mas como inspiração para uma história contemporânea que mostrará a degradação do Centro-Oeste brasileiro.
Em entrevista à Folha, ele fala da atualidade da discussão sobre o racismo e comenta a missão de suceder a recordista de audiência "Alma Gêmea" com um texto histórico. Na política, o autor se revela "infiel". Já apoiou Orestes Quércia, votou em Lula e diz que sua maior decepção é FHC. Abaixo, trechos da entrevista:

Folha - "Sinhá Moça" é uma história atemporal?
Benedito Ruy Barbosa -
Veja o racismo no futebol. Há agressões estúpidas, que mostram um racismo bobo em um país como o nosso. A novela traz essa lembrança trágica que ainda existe. Desde o início, quando escrevi o texto, abandonei o livro original e desenvolvi a história da Abolição segundo os critérios que pesquisei durante a vida.

Folha - A novela é inspirada no livro e traz suas visões do período?
Barbosa -
Minha preocupação era mostrar que a princesa Isabel não assinou a lei Áurea por um ato de bondade, mas porque não tinha outra saída. É a verdade histórica, não a que está nos livros. Os próprios fazendeiros não conseguiam mais lidar com os negros em suas fazendas. Quis mostrar que o negro conquistou sua liberdade, mas, quando a recebeu, não sabia o que fazer. Foi a liberdade mais fajuta da história. Abriram as portas das senzalas e não deram nenhum pedaço de chão para plantar e nem sequer um prato de comida. Para mim, a maior glória como novelista foi um depoimento do Grande Otelo, que esteve na primeira versão da novela, dizendo que eu havia prestado um serviço à população como nenhum outro negro havia.

Folha - Vale relembrar isso na TV apenas 20 anos depois da primeira versão?
Barbosa -
Quando você fala em Castro Alves, o poeta dos escravos, a nova geração nem sabe quem foi. A luta pela Abolição entre poetas e escritores era terrível. Tudo isso é importante e revela que a história do Brasil ainda não é cultivada; é esquecida.

Folha - O sr. sofre pressão por audiência?
Barbosa -
A Rede Globo aceitou colocar uma novela séria como "Sinhá Moça" no horário. Lembro da primeira vez em que a novela foi ao ar, quando o assunto voltou à tona nas salas de aula. Dava audiência de novela das oito. Será que vai acontecer de novo? Não sei se o compromisso do público de hoje é o mesmo. Mas, como estrutura, a novela tem elementos que cativam o espectador. Foi a única novela que bateu "Escrava Isaura" em vendas para o exterior. Não sei se o compromisso do público de hoje é o mesmo. Mas, como estrutura, a novela tem elementos que cativam o espectador. Foi a única novela que bateu "Escrava Isaura" em vendas para o exterior. Agora ela perdeu para "Terra Nostra", que também é minha. Não acho que ela vá conseguir segurar o mesmo fenômeno que o Walcyr [Carrasco, de "Alma Gêmea"] fez. Não sei fazer esse gênero, o pastelão.

Folha - O que aconteceu em "Esperança"?
Barbosa -
Eu tive problemas de saúde. Perdi meu irmão e minha mãe. Fumava quatro maços por dia. Parei de fumar e de escrever no mesmo dia. Travou. Pedi à Globo para me afastar e o Walcyr levou legal até o final, mas, infelizmente, ela não terminou como eu queria. Mas não foi um fracasso

Folha - O sr. tem algum texto original para apresentar?
Barbosa -
Nem toquei no texto de "Sinhá Moça". É com minhas filhas, como fizemos em "Cabocla" (2004). Eu confio nelas. Agora estou trabalhando na próxima novela das oito, com foco político no Brasil de hoje. Será rural e urbana, meio a meio. Mexo com coisas muito sérias, como os heróis anônimos que desenvolvem a ciência do país. Como a Globo comprou os direitos do texto de "Pantanal", eu vou misturar a parte interiorana com agropecuária. Quero mostrar como o Pantanal está degenerado por falta de critérios do governo. Aquele de 30 anos atrás não existe mais.

Folha - O ritmo lento de "Pantanal" cabe na Globo?
Barbosa -
Claro que sim. Quando cair em São Paulo, estará naquela correria; quando cair no Pantanal, será aquele sossego. Vai ter o ritmo do vôo do tuiuiú, das águas pantaneiras, do vôo da garça, do jeito do pantaneiro falar, aquela loucura toda de novo.

Folha - O sr. sempre fala de política nas novelas... Como anda sua avaliação?
Barbosa -
Eu já fiz campanha para a Arena e para o Orestes Quércia e me arrependo. E as CPIs, estão dando em quê? Todo mundo está comprometido. Votei no FHC, mas não voto mais em candidato do PSDB nem do PFL. Votei no Lula e ainda não sei em quem votar neste ano.


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Especialista elogia 'sessão nostalgia'
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.