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TELEVISÃO
Benedito Ruy Barbosa volta a abordar período da Abolição em "Sinhá Moça", remake da novela que estreou em 86
Autor retoma discussão sobre o racismo
"Agora estou trabalhando na próxima novela das oito, com foco político no Brasil de hoje. Será rural e urbana, meio a meio. Mexo com coisas sérias."
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"Veja o racismo no futebol. Há agressões estúpidas, que mostram um racismo bobo [...] A novela traz essa lembrança trágica que ainda existe"
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MARCELO BARTOLOMEI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO
Em 2002, Benedito Ruy Barbosa, o novelista que subverteu a
dramaturgia com o vôo do tuiuiú
nos anos 90 com "Pantanal", na
extinta Manchete, quase morreu
-de desgosto. Foi quando, afetado por um desgaste emocional e
por problemas de saúde, pediu
afastamento de "Esperança", um
quase fracasso do horário nobre
da Globo.
Recuperado (na última quarta-feira, o novelista passou por um
check-up cardíaco, constatando
que, sim, está tudo bem) e de volta
à TV, Barbosa reaparece na emissora com o remake de "Sinhá Moça", obra sua inspirada no romance de Maria Pacheco Fernandes e
agora adaptada por suas próprias
filhas Edmara e Edilene, que estréia amanhã, às 18h na Globo.
No entanto, a plena forma como
autor de mais de 25 novelas deve
se consolidar entre 2007 e 2008,
quando estréia seu primeiro texto
original no horário nobre desde
seu afastamento. É quando reescreverá "Pantanal", cujos direitos
já foram adquiridos pela Globo
-não em forma de remake, mas
como inspiração para uma história contemporânea que mostrará
a degradação do Centro-Oeste
brasileiro.
Em entrevista à Folha, ele fala
da atualidade da discussão sobre
o racismo e comenta a missão de
suceder a recordista de audiência
"Alma Gêmea" com um texto histórico. Na política, o autor se revela "infiel". Já apoiou Orestes
Quércia, votou em Lula e diz que
sua maior decepção é FHC. Abaixo, trechos da entrevista:
Folha - "Sinhá Moça" é uma história atemporal?
Benedito Ruy Barbosa - Veja o
racismo no futebol. Há agressões
estúpidas, que
mostram um racismo bobo em
um país como o
nosso. A novela
traz essa lembrança trágica que ainda existe. Desde o
início, quando escrevi o texto,
abandonei o livro
original e desenvolvi a história da
Abolição segundo
os critérios que
pesquisei durante
a vida.
Folha - A novela é
inspirada no livro e
traz suas visões do
período?
Barbosa - Minha preocupação
era mostrar que a princesa Isabel
não assinou a lei Áurea por um
ato de bondade, mas porque não
tinha outra saída. É a verdade histórica, não a que está nos livros.
Os próprios fazendeiros não conseguiam mais lidar com os negros
em suas fazendas. Quis mostrar
que o negro conquistou sua liberdade, mas, quando a recebeu, não
sabia o que fazer. Foi a liberdade
mais fajuta da história. Abriram
as portas das senzalas e não deram nenhum pedaço de chão para plantar e nem sequer um prato
de comida. Para mim, a maior
glória como novelista foi um depoimento do Grande Otelo, que
esteve na primeira versão da novela, dizendo que eu havia prestado um serviço à população como
nenhum outro negro havia.
Folha - Vale relembrar isso na TV
apenas 20 anos depois da primeira
versão?
Barbosa - Quando você fala em
Castro Alves, o
poeta dos escravos, a nova geração nem sabe
quem foi. A luta
pela Abolição entre poetas e escritores era terrível.
Tudo isso é importante e revela
que a história do
Brasil ainda não é
cultivada; é esquecida.
Folha - O sr. sofre
pressão por audiência?
Barbosa - A Rede Globo aceitou colocar uma novela séria como "Sinhá Moça" no
horário. Lembro da primeira vez
em que a novela foi ao ar, quando
o assunto voltou à tona nas salas
de aula. Dava audiência de novela
das oito. Será que vai acontecer de
novo? Não sei se o compromisso
do público de hoje é o mesmo.
Mas, como estrutura, a novela
tem elementos que cativam o espectador. Foi a única novela que
bateu "Escrava Isaura" em vendas
para o exterior. Não sei se o compromisso do público de hoje é o
mesmo. Mas, como estrutura, a
novela tem elementos que cativam o espectador. Foi a única novela que bateu "Escrava Isaura"
em vendas para o exterior. Agora
ela perdeu para "Terra Nostra",
que também é minha. Não acho
que ela vá conseguir segurar o
mesmo fenômeno que o Walcyr
[Carrasco, de "Alma Gêmea"] fez.
Não sei fazer esse
gênero, o pastelão.
Folha - O que
aconteceu em "Esperança"?
Barbosa - Eu tive
problemas de saúde. Perdi meu irmão e minha mãe.
Fumava quatro
maços por dia. Parei de fumar e de
escrever no mesmo dia. Travou.
Pedi à Globo para
me afastar e o
Walcyr levou legal
até o final, mas,
infelizmente, ela
não terminou como eu queria. Mas não foi um fracasso
Folha - O sr. tem algum texto original para apresentar?
Barbosa - Nem toquei no texto
de "Sinhá Moça". É com minhas
filhas, como fizemos em "Cabocla" (2004). Eu confio nelas. Agora estou trabalhando na próxima
novela das oito, com foco político
no Brasil de hoje. Será rural e urbana, meio a meio. Mexo com
coisas muito sérias, como os heróis anônimos que desenvolvem a
ciência do país. Como a Globo
comprou os direitos do texto de
"Pantanal", eu vou misturar a
parte interiorana com agropecuária. Quero mostrar como o Pantanal está degenerado por falta de
critérios do governo. Aquele de 30
anos atrás não existe mais.
Folha - O ritmo lento de "Pantanal" cabe na Globo?
Barbosa - Claro que sim. Quando cair em São
Paulo, estará naquela correria;
quando cair no
Pantanal, será
aquele sossego.
Vai ter o ritmo do
vôo do tuiuiú, das
águas pantaneiras, do vôo da garça, do jeito do
pantaneiro falar,
aquela loucura toda de novo.
Folha - O sr. sempre fala de política
nas novelas... Como anda sua avaliação?
Barbosa - Eu já
fiz campanha para a Arena e para o Orestes Quércia e me arrependo. E as CPIs, estão dando em quê? Todo mundo
está comprometido. Votei no
FHC, mas não voto mais em candidato do PSDB nem do PFL. Votei no Lula e ainda não sei em
quem votar neste ano.
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