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Comentário/"Antônia"
Público de cinema rejeita pobreza
LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
Última sexta-feira: cerca de
1.600 adolescentes americanos
lotam o Gusmán Center, principal cinema de Miami, numa
sessão especial de "Antônia"
para escolas locais. Aplaudem
muito o filme, em sintonia com
as protagonistas e com a cultura do hip hop da periferia de
São Paulo.
Novembro passado: depois
de sessões lotadas ao longo do
festival, "Antônia" vence o prêmio de melhor filme do público
na 30ª Mostra Internacional de
Cinema de São Paulo.
Os casos acima exemplificam, de forma sintomática, o
apelo popular e a capacidade de
comoção que o filme de Tata
Amaral possui. Então, resta a
pergunta: por que o longa sobre
as cantoras de rap da zona norte paulistana não atraiu aos cinemas o público que seus produtores esperavam?
A reportagem de Tereza Novaes na capa da Ilustrada discute essa questão e apresenta
bons argumentos para justificar o resultado decepcionante,
como uma data de lançamento
possivelmente errada e um excesso de exposição na mídia
por causa da série de TV.
Acrescento a essa discussão
um outro fator, ligado ao perfil
do público que freqüenta as salas de exibição no país. Com
seus ingressos entre R$ 15 e R$
20, o cinema é hoje opção de lazer para classe média alta, que
tem real poder de consumo.
E "Antônia" não atrai tal fatia da população, porque não
tem nenhum astro (de Hollywood ou das novelas), é um
drama (não uma comédia escrachada) e retrata o cotidiano
na periferia de uma metrópole.
Ou seja, esse público consumidor não quer ver pobre no cinema, resiste a ir a um filme que
reproduza a indigesta realidade, mesmo que seja uma ficção.
Apresentei esse argumento
no blog Ilustrada no Cinema
(www.folha.com.br/ilustra
danocinema) em fevereiro,
após o anúncio de que 23.906
espectadores haviam visto o filme no primeiro final de semana -os produtores previam, no
pior cenário, 80 mil pessoas.
O comentário provocou acalorada discussão entre leitores
do blog, muitos argumentando
que eu queria culpar a classe
média alta pelos problemas do
Brasil. Se é possível tirar um
senso comum da maioria das
266 mensagens enviadas em
reação a meu texto, ele se resume na opinião de Mister Lex
(obviamente um pseudônimo):
"Os críticos se esquecem
que, tirando eles próprios, as
pessoas vão ao cinema para seu
entretenimento e não para ver
denúncia social, ou como somos feios, sujos e malvados no
Brasil. Para ver o mundo das favelas, pobreza, injustiças sociais, basta abrir a janela do
apartamento ou olhar pelas
ruas do país ou assistir aos telejornais, e não ir ao cinema".
Filme nacional, não!
O tema também foi discutido
por Ricardo Calil em sua coluna
"Olha Só", no site NoMínimo
(www.nominimo.com). Lá,
como no Ilustrada no Cinema,
a reação dos leitores indicou
também que ainda há preconceito contra filmes brasileiros.
"Antônia" foi criticado por
muitos internautas que visivelmente ainda não o tinham visto. Exemplo de um leitor do
"Olha Só":
"Os filmes nacionais fracassam porque são ruins. É simples assim. Alguém ainda
agüenta assistir a histórias de
periferia, travestis e violência?
Quando teremos filmes como o
"Filho da Noiva" e "Nove Rainhas", só para citar dois argentinos?".
Com essa soma dos preconceitos, contra a pobreza real e
contra o cinema nacional, não
há "Antônia" que resista.
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