São Paulo, segunda-feira, 12 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Comentário/"Antônia"

Público de cinema rejeita pobreza

LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Última sexta-feira: cerca de 1.600 adolescentes americanos lotam o Gusmán Center, principal cinema de Miami, numa sessão especial de "Antônia" para escolas locais. Aplaudem muito o filme, em sintonia com as protagonistas e com a cultura do hip hop da periferia de São Paulo.
Novembro passado: depois de sessões lotadas ao longo do festival, "Antônia" vence o prêmio de melhor filme do público na 30ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Os casos acima exemplificam, de forma sintomática, o apelo popular e a capacidade de comoção que o filme de Tata Amaral possui. Então, resta a pergunta: por que o longa sobre as cantoras de rap da zona norte paulistana não atraiu aos cinemas o público que seus produtores esperavam?
A reportagem de Tereza Novaes na capa da Ilustrada discute essa questão e apresenta bons argumentos para justificar o resultado decepcionante, como uma data de lançamento possivelmente errada e um excesso de exposição na mídia por causa da série de TV.
Acrescento a essa discussão um outro fator, ligado ao perfil do público que freqüenta as salas de exibição no país. Com seus ingressos entre R$ 15 e R$ 20, o cinema é hoje opção de lazer para classe média alta, que tem real poder de consumo.
E "Antônia" não atrai tal fatia da população, porque não tem nenhum astro (de Hollywood ou das novelas), é um drama (não uma comédia escrachada) e retrata o cotidiano na periferia de uma metrópole. Ou seja, esse público consumidor não quer ver pobre no cinema, resiste a ir a um filme que reproduza a indigesta realidade, mesmo que seja uma ficção.
Apresentei esse argumento no blog Ilustrada no Cinema (www.folha.com.br/ilustra danocinema) em fevereiro, após o anúncio de que 23.906 espectadores haviam visto o filme no primeiro final de semana -os produtores previam, no pior cenário, 80 mil pessoas.
O comentário provocou acalorada discussão entre leitores do blog, muitos argumentando que eu queria culpar a classe média alta pelos problemas do Brasil. Se é possível tirar um senso comum da maioria das 266 mensagens enviadas em reação a meu texto, ele se resume na opinião de Mister Lex (obviamente um pseudônimo):
"Os críticos se esquecem que, tirando eles próprios, as pessoas vão ao cinema para seu entretenimento e não para ver denúncia social, ou como somos feios, sujos e malvados no Brasil. Para ver o mundo das favelas, pobreza, injustiças sociais, basta abrir a janela do apartamento ou olhar pelas ruas do país ou assistir aos telejornais, e não ir ao cinema".

Filme nacional, não!
O tema também foi discutido por Ricardo Calil em sua coluna "Olha Só", no site NoMínimo (www.nominimo.com). Lá, como no Ilustrada no Cinema, a reação dos leitores indicou também que ainda há preconceito contra filmes brasileiros. "Antônia" foi criticado por muitos internautas que visivelmente ainda não o tinham visto. Exemplo de um leitor do "Olha Só":
"Os filmes nacionais fracassam porque são ruins. É simples assim. Alguém ainda agüenta assistir a histórias de periferia, travestis e violência? Quando teremos filmes como o "Filho da Noiva" e "Nove Rainhas", só para citar dois argentinos?".
Com essa soma dos preconceitos, contra a pobreza real e contra o cinema nacional, não há "Antônia" que resista.


Texto Anterior: "Antônia" por que o filme não brilhou?
Próximo Texto: Guilherme Wisnik: Amadorismo crítico
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.