São Paulo, sexta-feira, 12 de março de 2010

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CINEMA

Crítica/ "Ilha do Medo"

Filme sombrio traz Martin Scorsese no auge da inventividade

Leonardo DiCaprio faz detetive que investiga um hospital psiquiátrico de segurança máxima, numa ilha misteriosa

ANDRÉ BARCINSKI
CRÍTICO DA FOLHA

Faça um favor a você mesmo: vá correndo até o cinema mais próximo e assista a "Ilha do Medo", de Martin Scorsese. Depois assista de novo. E de novo. E de novo. É uma dessas chances raras de ver um grande cineasta, talvez o maior vivo, no auge de sua inventividade.
Baseado num best-seller de Dennis Lehane (de "Sobre Meninos e Lobos", adaptado por Clint Eastwood), "Ilha do Medo" é um desses riscos que só um artista que não precisa provar mais nada pode correr: um policial "noir" com toques de terror psicológico; um filme sombrio, com uma história enigmática, uma atmosfera de paranoia crescente e um clímax perturbador. É Scorsese filtrando, sob sua ótica, a literatura "pulp" detetivesca, o cinema B americano dos anos 50 e 60 e os experimentos rebeldes do cinema de Samuel Fuller. Uma experiência e tanto.
O filme começa em 1954, quando os detetives Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) e seu parceiro Chuck Aule (Mark Ruffalo) são levados para uma ilha que abriga um hospital psiquiátrico de segurança máxima, onde são mantidos criminosos com distúrbios mentais. A missão é solucionar o desaparecimento de uma paciente condenada por matar os filhos.
Os policiais logo percebem que a história é muito mais complexa do que aparenta: o hospital é chefiado por dois médicos misteriosos, que não colaboram muito nas investigações. E Daniels tem seus próprios fantasmas: veterano da Segunda Guerra, presenciou massacres e perdeu sua esposa num incêndio criminoso. Ele é atormentado por visões terríveis de cadáveres e atrocidades, que Scorsese transforma em delírios surrealistas.
A montagem de Thelma Schoonmaker, velha parceira de Scorsese (ela montou todos os filmes do diretor desde "Touro Indomável", de 1980), merece um comentário à parte: ao longo de todo o filme, percebe-se claramente o que parecem ser erros de montagem e continuidade. São pequenas falhas, cenas que são mostradas de um ângulo e que, quando mostradas em ângulo reverso, trazem os atores em posições diferentes da anterior. Há também cortes abruptos, que perturbam a fluidez narrativa.
Difícil acreditar que artistas como Schoonmaker e Scorsese, que operam num nível estratosférico de excelência, cometeriam erros assim. Prefiro acreditar que foi uma decisão consciente: os "erros" são muito discretos, perceptíveis apenas o suficiente para causar um ligeiro desconforto no olhar.
Como se diretor e montadora estivessem sempre fragmentando a realidade e, assim, distorcendo-a. "Nem tudo que você vê é a realidade", parece dizer Scorsese. O que é, no fundo, a mensagem de "Ilha do Medo".


ILHA DO MEDO

Diretor: Martin Scorsese
Produção: EUA, 2010
Com: Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo
Onde: Anália Franco, Bristol e circuito
Classificação: 14 anos
Avaliação: ótimo




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