|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
Crítica/ "Ilha do Medo"
Filme sombrio traz Martin Scorsese no auge da inventividade
Leonardo DiCaprio faz detetive que investiga um hospital psiquiátrico de segurança máxima, numa ilha misteriosa
ANDRÉ BARCINSKI
CRÍTICO DA FOLHA
Faça um favor a você
mesmo: vá correndo até
o cinema mais próximo
e assista a "Ilha do Medo", de
Martin Scorsese. Depois assista
de novo. E de novo. E de novo. É
uma dessas chances raras de
ver um grande cineasta, talvez
o maior vivo, no auge de sua inventividade.
Baseado num best-seller de
Dennis Lehane (de "Sobre Meninos e Lobos", adaptado por
Clint Eastwood), "Ilha do Medo" é um desses riscos que só
um artista que não precisa provar mais nada pode correr: um
policial "noir" com toques de
terror psicológico; um filme
sombrio, com uma história
enigmática, uma atmosfera de
paranoia crescente e um clímax
perturbador. É Scorsese filtrando, sob sua ótica, a literatura "pulp" detetivesca, o cinema
B americano dos anos 50 e 60 e
os experimentos rebeldes do cinema de Samuel Fuller. Uma
experiência e tanto.
O filme começa em 1954,
quando os detetives Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) e
seu parceiro Chuck Aule (Mark
Ruffalo) são levados para uma
ilha que abriga um hospital psiquiátrico de segurança máxima, onde são mantidos criminosos com distúrbios mentais.
A missão é solucionar o desaparecimento de uma paciente
condenada por matar os filhos.
Os policiais logo percebem
que a história é muito mais
complexa do que aparenta: o
hospital é chefiado por dois
médicos misteriosos, que não
colaboram muito nas investigações. E Daniels tem seus próprios fantasmas: veterano da
Segunda Guerra, presenciou
massacres e perdeu sua esposa
num incêndio criminoso. Ele é
atormentado por visões terríveis de cadáveres e atrocidades,
que Scorsese transforma em
delírios surrealistas.
A montagem de Thelma
Schoonmaker, velha parceira
de Scorsese (ela montou todos
os filmes do diretor desde
"Touro Indomável", de 1980),
merece um comentário à parte:
ao longo de todo o filme, percebe-se claramente o que parecem ser erros de montagem e
continuidade. São pequenas falhas, cenas que são mostradas
de um ângulo e que, quando
mostradas em ângulo reverso,
trazem os atores em posições
diferentes da anterior. Há também cortes abruptos, que perturbam a fluidez narrativa.
Difícil acreditar que artistas
como Schoonmaker e Scorsese,
que operam num nível estratosférico de excelência, cometeriam erros assim. Prefiro
acreditar que foi uma decisão
consciente: os "erros" são muito discretos, perceptíveis apenas o suficiente para causar um
ligeiro desconforto no olhar.
Como se diretor e montadora
estivessem sempre fragmentando a realidade e, assim, distorcendo-a. "Nem tudo que você vê é a realidade", parece dizer Scorsese. O que é, no fundo,
a mensagem de "Ilha do Medo".
ILHA DO MEDO
Diretor: Martin Scorsese
Produção: EUA, 2010
Com: Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo
Onde: Anália Franco, Bristol e circuito
Classificação: 14 anos
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: Folha faz lançamento no dia 18 Próximo Texto: Para Leonardo DiCaprio, diretor molda a narrativa por meio dos atores Índice
|