|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CONTARDO CALLIGARIS
Preocupações de pais de adolescentes
"Não é nada de grave, mas
você sabe como são as
coisas, nós nos preocupamos com
seu futuro..."
Há dois dias, essa mesma frase,
quase literalmente, foi-me dita
por pais diferentes. Eles tentavam
comunicar assim sua angústia
diante de uma guinada imprevista na vida dos filhos adolescentes.
Acontece o tempo todo: os jovens se afastam das trilhas convencionais que deveriam levar a
um pouco de tranquilidade econômica e social. E os pais sofrem e
resistem. Eles perdem o sono, às
vezes se desesperam ou, pior, reagem com violência repressora,
produzindo tragédias ou armando bombas de efeito retardado.
No alto da lista das preocupações que afligem os pais: um relacionamento amoroso muito precoce, a escolha de profissões nas
quais o pão cotidiano parece incerto (artista plástico, ator de teatro, capoeirista, poeta etc.) e a decisão de interromper os estudos e
de sair pelo mundo afora de mochila nas costas. Ou a vontade de
encurtar o passo, reduzir a velocidade da corrida e aproveitar um
pouco mais a vida -com ou sem
o auxílio de um baseado.
Não é que os pais não entendam. Ao contrário, é frequente
que a decisão do adolescente
coincida com uma aspiração antiga do pai, da mãe ou de ambos
-a retomada de um desejo ao
qual eles renunciaram. Por exemplo, eles queriam tanto dar a volta ao mundo de barco a vela e
acabaram no escritório de um
banco. De repente, o filho ou a filha parecem querer compensar
essa antiga desistência dos pais.
O "nada de grave" com o qual
começa a frase citada manifesta
que os pais não condenam a escolha do adolescente. Afinal, como
está subentendido, eles não são
manequins para ternos cinza e
tailleurs azul-marinho. Eles também preferiram outra coisa do
que ao sossego. Eles também quiseram ser atores de teatro, poetas,
escultores ou mochileiros. Seus
devaneios foram e talvez sigam
sendo exuberantes. A ponto de, às
vezes, os pais, apesar de agoniados pela decisão do adolescente,
mal esconderem uma espécie de
satisfação, como se o jovem levantasse uma bandeira que eles, feridos pelas obrigações da vida, deixaram cair. A coisa causa medo
nos pais (sabe-se que o porta-bandeira leva chumbo facilmente), mas inspira orgulho. E mesmo
uma certa inveja.
O inciso que segue, "você sabe
como são as coisas", procura a
cumplicidade de quem ouve: você
-outro adulto que escuta minha
queixa- sabe como a vida é
complicada e dura. E, de fato, não
há como discordar: a desistência
não é só covardia, o sacrifício
também exige coragem. Compreendemos sem dificuldade tanto as renúncias quanto as preocupações dos pais. Eles escolheram
servir às obrigações da vida. Podem até admirar a revolta de seus
rebentos, mas prefeririam que
eles também desistissem de seus
projetos ousados para garantir
um futuro tranquilo. Faz sentido.
Aqui o adolescente propõe uma
réplica que merece ser ouvida. Ele
pergunta: por que vocês não esquecem um pouco o meu futuro?
Por que não se preocupam com
meu presente?
Quando olhamos para as crianças, certamente imaginamos seu
futuro e desejamos que seja radioso, mas nos importa também
que elas sejam felizes hoje, não só
amanhã. Com o adolescente, a
coisa muda: parecemos conceber
sua existência como uma longa
véspera, uma espécie de cursinho.
Na hora em que o jovem se desvia
da estrada que desejamos para
ele, quase perdemos a capacidade
de enxergá-lo. No seu lugar, vemos apenas o fantasma ameaçador de um futuro comprometido.
Ora, para o adolescente, a vida
não é o futuro (calmo ou ousado
que seja), a vida é aquela que ele
está vivendo agora. Certo, todos
cansamos de renunciar a desejos
e prazeres em vista de um amanhã melhor. Mas acharíamos a
experiência penosa, se não intolerável, se, como o adolescente, nos
transformássemos numa espécie
de cheque pré-datado, sendo vistos, amados ou receados apenas
como a promessa do dia em que
chegará a hora da compensação.
Na maioria dos casos, as famílias acabam inventando compromissos entre os medos prudentes
dos pais futurólogos e as decisões
do adolescente revoltado que conclama: minha vida é agora. Mas
há pais irredutíveis, que nunca
admitem as escolhas arriscadas
dos filhos. Provavelmente a rebeldia adolescente reviva neles antigas feridas dolorosas demais. As
razões, às vezes, são mesquinhas,
como nesta memorável observação de um pai preocupado com o
filho: "Como ele quer sair viajando, quando eu desisti de dar a volta ao mundo logo porque sua
mãe ficou grávida dele e tive que
botar as mãos na massa?".
Recomendo o exercício seguinte
a todos os pais -e, em particular,
aos pais intransigentes- na hora
em que se preocupam com os efeitos futuros da rebeldia de um
adolescente. Depois de bater na
madeira e cruzando os dedos,
perguntem-se: e se ele morresse
amanhã? Se, por alguma razão, o
futuro de meu rebento, que me
atribula tanto, não viesse a ser? O
que direi do tempo que ele viveu?
Que não foi nada que valesse por
conta própria, mas apenas uma
espera interrompida antes que a
vida começasse?
E-mail : ccalligari@uol.com.br
Texto Anterior: Cinema: Governo suspende programa de incentivo a filmes Próximo Texto: Com sangue nas mãos Índice
|