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MEMÓRIA
Ela foi minha estrela
GIANFRANCESCO GUARNIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Pela manhã, recebi a notícia.
Vanya, minha mulher, contou-me da forma mais simples, procurando abrandar o choque: Lélia
Abramo morreu. Nós sempre a
admiramos e respeitamos muito.
Naquele instante percebi com
toda a clareza o quanto Lélia representou, representa e sempre
representará para mim. O ponto
de referência sólido, absolutamente confiável, apontando o rumo exato de uma vida elaborada
sobre princípios inegociáveis.
Considero meu encontro com Lélia Abramo um desses momentos
decisivos de uma vida.
Ao retornar de uma excursão
com os companheiros do Teatro
de Arena, fomos assistir ao espetáculo que ficara em cartaz em
São Paulo, aguardando a nossa
volta. "A Mulher do Outro" era o
título da peça. Embora tenha gostado do espetáculo, o que me impressionou mesmo foi a interpretação de uma atriz, em um pequeno papel, que roubava a cena.
Mais tarde, quando o diretor José Renato escolheu minha peça
"Eles Não Usam Black-Tie" como
a próxima encenação do Arena,
fiquei contentíssimo e curioso
com a sugestão dele de dar dois
dos principais papéis a um grande
ator -Eugênio Kusnet- e a uma
atriz ainda desconhecida do grande público -Lélia Abramo.
Qualquer dúvida que pudéssemos ter sobre o acerto na distribuição dos papéis foi reparada logo nos primeiros ensaios, tal a
adequação de ambos aos personagens. Lélia foi uma Romana
magistral e um dos motivos que
fizeram com que a peça alcançasse o êxito que alcançou.
Sou grato a Lélia não só pela Romana que interpretou com um
enorme conhecimento de vida,
profundidade e amor, mas por
sua postura diante da realidade,
pelo seu espírito de luta, sua sede
de justiça.
Juntos enfrentamos momentos
críticos de nossas vidas, sem esmorecer. Lélia, batalhadora até os
últimos instantes. Cheia de afeto
até nos momentos de raiva e aparente ceticismo. Lélia, que sofreu
perseguições por sua postura à
frente do Sindicato de Atores. Lélia, que lutou junto ao movimento
operário. Que presidiu assembléias da classe teatral nos momentos mais duros da repressão.
Lélia, uma grande, enorme atriz
que amava o teatro, a arte e as coisas mais sublimes. Às vezes carrancuda, soturna, mas esplêndida
em toda sua pujança. Lélia, exemplo para as mulheres lutadoras
que descobrem seu papel na sociedade. Lélia, minha estrela!
Gianfrancesco Guarnieri é ator, diretor
e dramaturgo, autor, entre outras peças,
de "Eles Não Usam Black Tie".
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