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NELSON ASCHER
Poetas do Mundo
Romancistas, contistas,
dramaturgos e ensaístas têm
sorte, uma sorte que todo poeta
inveja. Acontece que aquilo que
produzem -romances, contos,
peças de teatro e ensaios- viaja
bem de idioma em idioma e de
um país para outro. Sua produção, aliás, consegue não raro fazer efeito no estrangeiro mesmo
através de traduções indiretas ou
de segunda mão. Os grandes russos do século 19, Dostoiévski, Tolstói, Turguêniev e Tchékhov, não
deixaram de fascinar, por exemplo, o público luso-brasileiro ou o
hispânico nem quando suas obras
eram vertidas para o português
ou espanhol a partir de línguas
intermediárias. A arquitetura
grandiosa de "Os Irmãos Karamázov" ou de "Ana Karênina" se
mostrou capaz de sobreviver inclusive aos equívocos de profissionais que dominavam mal não o
russo, mas o inglês ou o francês.
Os poetas, por seu turno, dependem infinitamente mais da competência e do empenho de seus intérpretes para serem minimamente conhecidos e apreciados
fora dos limites de sua língua natal. Esta é uma das razões pelas
quais foram sobretudo os versos
escritos em alguns dos grandes
idiomas, idiomas que poderiam
ser chamados de imperiais (inglês, francês, espanhol, alemão,
italiano e russo), aqueles que chegaram com algum sucesso às línguas menos influentes. Baudelaire e T.S. Eliot, García Lorca e
Georg Trakl, Montale e Maiakóvski foram lidos e admirados
no Brasil ou na Hungria. Já o
mesmo não vale, entre os leitores
do Primeiro Mundo, para Drummond e Bandeira, para Attila József ou Sándor Weöres.
Não que estes não tivessem às
vezes sido publicados na Europa
Ocidental ou nos EUA, mas uma
antologia francesa aqui, uma
monografia americana estampada por alguma editora universitária ali não bastam para fazer
uma obra poética criar, por assim
dizer, raízes em solo alheio. A rigor, em todo o século 20 houve
apenas dois poetas que, embora
escrevessem em idiomas menos
freqüentados, alcançaram renome universal e se tornaram referência obrigatória em quase toda
parte: Fernando Pessoa e o neo-grego Konstantinos Kaváfis.
Em ambos os casos, a fama internacional veio somente após a
morte dos autores e resultou da
dedicação de vários tradutores e
entusiastas. Para falarmos apenas de Kaváfis, antes que fosse reconhecido por um público maior,
ele já havia seduzido personalidades como E.M. Forster ("Uma
Passagem para a Índia"), Law
rence Durrell ("O Quarteto de
Alexandria"), W.H. Auden e
Marguerite Yourcenar, todos eles
empenhando-se em promovê-lo.
Nem tudo, porém, é motivo de
pessimismo. Se é líquido e seguro
que até uma obra como a de João
Cabral dificilmente atrairá uma
legião de leitores anglófonos antes
que uma sucessão de ingleses,
americanos ou australianos o "redescubra" e resolva apresentar
sua grandeza num inglês condigno, o pernambucano e tantos outros brasileiros ou tchecos, catalães ou holandeses têm lá suas
chances de pelo menos chamarem
a atenção de um público restrito
quer de especialistas, quer, em
condições ideais, de escritores.
Um dos meios pelos quais essas
metas mais modestas têm se realizado são algumas coleções de
poesia estrangeira que, devido
aos talentos e esforços de seus organizadores, tornaram-se célebres. O melhor exemplo que conheço é o da série batizada de
"Penguin Modern European
Poets", cujo editor, o inglês A. Alvarez, apresentou a seus conterrâneos, entre os anos 70 e 80, além
de nomes como o do próprio Pessoa, poetas russos e alemães, mas
também húngaros, poloneses,
tchecos, finlandeses e israelenses.
Malgrado não ter sido exatamente um sucesso comercial, reconhece-se que a série de Alvarez contribuiu, com as novas informações que trazia, para subverter as
convenções paroquiais da poesia
britânica de então.
Uma iniciativa semelhante está
em curso no Brasil e nada impede
que ela exerça uma influência benéfica sobre as letras nacionais.
Trata-se da coleção "Poetas do
Mundo", publicada pela Universidade Nacional de Brasília e dirigida por Henryk Siewierski.
O diretor da coleção, professor
de literatura comparada nascido
na Polônia, tem sido o principal
divulgador no Brasil dos autores
de sua terra. Além de verter os
contos de Bruno Schulz (um narrador brilhante que foi assassinado pelos nazistas) e poetas do pós-guerra, ele escreveu uma ótima e
concisa história da literatura polonesa. É com uma antologia de
Czeslaw Milosz (nascido em 1911),
prêmio Nobel de Literatura de
1980, traduzida por ele em colaboração com Marcelo Paiva de
Souza, que a série se inaugura. O
nonagenário polonês talvez seja
atualmente o maior poeta vivo e
esta antologia, "Não Mais", bem
selecionada e traduzida do original, é a primeira a reunir uma
quantidade considerável de seus
poemas em português.
Três outros volumes da coleção
já foram publicados: "Bosque da
Maldição", do sérvio Miodrag Pávlovitch, traduzido por Aleksandar Jovanovic; "A Mimosa", do
francês Francis Ponge, em tradução de Adalberto Müller; e "As Cicatrizes do Atlas", do marroquino
de expressão francesa Tahar Ben
Jelloun, vertido por Cláudia Falluh Balduíno Ferreira.
Se bem que cada qual desses volumes mereça, obviamente, uma
resenha individual, isso ficará para outra oportunidade. Convém,
no entanto, ressaltar que esses autores, mais do que importantes,
são instigantes e, graças à competência de seus respectivos tradutores, contribuirão seguramente
para ampliar os horizontes, que
andam meio fechados, seja do leitor brasileiro de poesia, seja de
muitos de nossos poetas atuais.
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