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Festival de Buenos Aires busca o cinema do risco, da inquietação
SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES
"Cama Adentro", o longa argentino que inaugura hoje o 7º
Festival de Cinema Independente de Buenos Aires (Bafici), não
trata de sexo. Mas é uma espécie
de filme de gênero -feminino.
Na convivência de duas mulheres -Beatriz (a excelente Norma
Aleandro) e Dora (Norma Argentina)-, o diretor Jorge Gaggero situa sua trama sobre o impacto da débâcle econômica nas
camadas da pirâmide social argentina.
Beatriz é a patroa que Dora se
acostumou a ver sempre emperiquitada de jóias e maquiagem.
Dora mora há 30 anos no local de
trabalho (por isso o título "Cama
Adentro") e acumula sete meses
de salário atrasado.
Estamos em 2001, às vésperas
da crise econômica que levou o
país à moratória. É quando Beatriz tenta sair do aperto, vendendo cosméticos de uma grife ou a
própria louça inglesa. E Dora
tenta um novo emprego.
Crise geral
Gaggero diz que o filme foi sua
forma de refletir sobre as possíveis conseqüências, no plano individual, de uma crise generalizada como a que atingiu o seu país.
O diretor do Bafici, Fernando
Peña, afirma que "Cama Adentro" e os demais 400 títulos da
programação foram escolhidos
por conterem "essa necessidade
de expressar artisticamente uma
inquietação", por "assumirem
riscos artísticos concretos".
Peña sabe que demarcar a linha
entre o "artístico" e o "comercial", o "dependente" (da engrenagem industrial do cinema) e o
"independente" é tarefa "decididamente subjetiva".
Onde encaixar, por exemplo, o
mais popular cineasta argentino
da atualidade, Juan José Campanella ("O Filho da Noiva" e "Luna
de Avellaneda")?
"Campanella, para mim, é um
artista que não tem interesse em
produzir fora da indústria", diz
Peña. "Por mais que goste de seus
filmes, não os programaria no
festival, porque não necessitam
deste apoio."
O Bafici pretende ser, portanto,
uma vitrine para filmes que costumam encontrar fechadas as
portas do mercado exibidor.
Foi o critério da dificuldade de
chegar ao grande público que
norteou também a escolha dos
cinco títulos brasileiros que participa da mostra deste ano.
"Procuramos saber que filmes
teriam pouca probabilidade de
estrear aqui, mesmo com o acordo entre a Ancine [Agência Nacional de Cinema] e o Incaa [Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais]", diz Peña.
As duas instituições mantêm
um convênio pelo qual distribuidores brasileiros recebem uma
verba de incentivo para lançar filmes argentinos e vice-versa.
Na avaliação do Bafici, provavelmente ficarão à margem da
lista de estréias na Argentina a
ficção "Contra Todos", de Roberto Moreira, e os documentários
"Glauber, o Filme - Labirinto do
Brasil", de Silvio Tendler; "Justiça", de Maria Augusta Ramos;
"Peões", de Eduardo Coutinho, e
"Soy Cuba - O Mamute Siberiano", de Vicente Ferraz.
Na seção Música, o festival exibe ainda "Brasileirinho", de Mika
Kaurismäki ("Moro no Brasil"),
porém creditado como produção
finlandesa.
Realidade em foco
A prevalência do documentário sobre a ficção não é exclusividade da representação brasileira
no Bafici. "Não vou dizer que a
ficção está em crise, porque seria
petulante", afirma Peña. "Mas é
no documentário que estão ocorrendo as experiências mais interessantes atualmente."
Crise indiscutível atravessou a
organização do Bafici neste ano,
com o afastamento de seu diretor, Eduardo "Quintín" Antín,
substituído por Peña, colecionador e programador da sala do
Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires).
Quintín foi demitido por organizar outro festival, o Marfici, em
Mar del Plata, no qual supostamente estaria usando contatos
feitos como diretor do Bafici, que
é financiado pela Secretaria da
Cultura de Buenos Aires.
Quintín debita seu afastamento
a um golpe de adversários, o Incaa incluído. Peña acha que foi
"suicida" a decisão do antecessor
de acumular a direção do Marfici. Mas essa é outra trama.
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