São Paulo, terça-feira, 12 de abril de 2005

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Festival de Buenos Aires busca o cinema do risco, da inquietação

SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES

"Cama Adentro", o longa argentino que inaugura hoje o 7º Festival de Cinema Independente de Buenos Aires (Bafici), não trata de sexo. Mas é uma espécie de filme de gênero -feminino.
Na convivência de duas mulheres -Beatriz (a excelente Norma Aleandro) e Dora (Norma Argentina)-, o diretor Jorge Gaggero situa sua trama sobre o impacto da débâcle econômica nas camadas da pirâmide social argentina.
Beatriz é a patroa que Dora se acostumou a ver sempre emperiquitada de jóias e maquiagem. Dora mora há 30 anos no local de trabalho (por isso o título "Cama Adentro") e acumula sete meses de salário atrasado.
Estamos em 2001, às vésperas da crise econômica que levou o país à moratória. É quando Beatriz tenta sair do aperto, vendendo cosméticos de uma grife ou a própria louça inglesa. E Dora tenta um novo emprego.

Crise geral
Gaggero diz que o filme foi sua forma de refletir sobre as possíveis conseqüências, no plano individual, de uma crise generalizada como a que atingiu o seu país.
O diretor do Bafici, Fernando Peña, afirma que "Cama Adentro" e os demais 400 títulos da programação foram escolhidos por conterem "essa necessidade de expressar artisticamente uma inquietação", por "assumirem riscos artísticos concretos".
Peña sabe que demarcar a linha entre o "artístico" e o "comercial", o "dependente" (da engrenagem industrial do cinema) e o "independente" é tarefa "decididamente subjetiva".
Onde encaixar, por exemplo, o mais popular cineasta argentino da atualidade, Juan José Campanella ("O Filho da Noiva" e "Luna de Avellaneda")?
"Campanella, para mim, é um artista que não tem interesse em produzir fora da indústria", diz Peña. "Por mais que goste de seus filmes, não os programaria no festival, porque não necessitam deste apoio."
O Bafici pretende ser, portanto, uma vitrine para filmes que costumam encontrar fechadas as portas do mercado exibidor.
Foi o critério da dificuldade de chegar ao grande público que norteou também a escolha dos cinco títulos brasileiros que participa da mostra deste ano.
"Procuramos saber que filmes teriam pouca probabilidade de estrear aqui, mesmo com o acordo entre a Ancine [Agência Nacional de Cinema] e o Incaa [Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais]", diz Peña.
As duas instituições mantêm um convênio pelo qual distribuidores brasileiros recebem uma verba de incentivo para lançar filmes argentinos e vice-versa.
Na avaliação do Bafici, provavelmente ficarão à margem da lista de estréias na Argentina a ficção "Contra Todos", de Roberto Moreira, e os documentários "Glauber, o Filme - Labirinto do Brasil", de Silvio Tendler; "Justiça", de Maria Augusta Ramos; "Peões", de Eduardo Coutinho, e "Soy Cuba - O Mamute Siberiano", de Vicente Ferraz.
Na seção Música, o festival exibe ainda "Brasileirinho", de Mika Kaurismäki ("Moro no Brasil"), porém creditado como produção finlandesa.

Realidade em foco
A prevalência do documentário sobre a ficção não é exclusividade da representação brasileira no Bafici. "Não vou dizer que a ficção está em crise, porque seria petulante", afirma Peña. "Mas é no documentário que estão ocorrendo as experiências mais interessantes atualmente."
Crise indiscutível atravessou a organização do Bafici neste ano, com o afastamento de seu diretor, Eduardo "Quintín" Antín, substituído por Peña, colecionador e programador da sala do Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires).
Quintín foi demitido por organizar outro festival, o Marfici, em Mar del Plata, no qual supostamente estaria usando contatos feitos como diretor do Bafici, que é financiado pela Secretaria da Cultura de Buenos Aires.
Quintín debita seu afastamento a um golpe de adversários, o Incaa incluído. Peña acha que foi "suicida" a decisão do antecessor de acumular a direção do Marfici. Mas essa é outra trama.


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