São Paulo, Segunda-feira, 12 de Abril de 1999
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Capital de Pernambuco abrigou a primeira sinagoga israelita do hemisfério ocidental
Filme vai mostrar a fuga de judeus no Recife do séc. 17

Alexandre Belém/Folha Imagem
Fachada do prédio que foi a primeira sinagoga israelita do hemisfério ocidental, na r. do Bom Jesus (Recife)


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
enviado especial ao Recife

A epopéia dos judeus que fugiram do Recife em 1654 e fundaram na então Nova Amesterdã (atual Nova York) a que, três séculos depois, seria a maior comunidade de judeus fora de Israel, será contada em filme da cineasta Katia Mezel.
As filmagens começam no ano que vem. Elas vão se basear em pesquisa histórica que tem sido feita há três anos e em ficção.
O filme será o primeiro longa-metragem de Mezel, uma pernambucana que há 31 anos vem realizando documentários, quase todos a respeito de seu Estado.
O projeto é ambicioso. Mezel quer contratar atores de várias nacionalidades para relatar o drama que teve início na ocupação holandesa de Pernambuco, em 1630 (veja sinopse do roteiro nesta página).
Embora não faça parte do grande programa para criar o Centro de Documentação da Memória Judaica das Américas, liderado pela historiadora Maria do Amparo Ferraz, o filme decorre do interesse que a iniciativa criou sobre o tema.
Até 1951, muito pouca gente sabia que nos prédios de números 197 e 203 da atual rua do Bom Jesus (rua dos Judeus entre 1630 e 1654), no Recife velho, havia funcionado a primeira sinagoga do hemisfério ocidental. Foi o historiador Francisco Augusto Pereira da Costa, em sua "História de Pernambuco", quem revelou o segredo.
Costa (1851-1923) dizia ter visto, criança, a demolição do prédio da sinagoga. Mais tarde, achou um inventário feito pelos portugueses de tudo que os holandeses haviam deixado de sua ocupação e encontrou uma referência à sinagoga.
Houve muitos judeus e cristãos-novos no Brasil entre 1500 e 1630. Mas, por causa da Inquisição, eles mantinham sua condição religiosa em clandestinidade. Eram chamados de "marranos".
Quando os holandeses se instalaram no Recife, garantiram liberdade de culto. Centenas de famílias de judeus se deslocaram para lá. Muitos marranos assumiram sua religião. Dois rabinos, Isaac Aboab da Fonseca e Moses Raphael de Aguilar, lideravam a comunidade.
Agora, no local em que durante mais de cem anos funcionoram lojas de material elétrico, será feito um trabalho de pesquisa arqueológica para recuperar marcas da sinagoga que ali existiu há 360 anos.
Uma das metas do projeto de Amparo é recuperar, com base no que a pequisa arqueológica e documentos da época revlarem, toda a ambientação da antiga sinagoga.
Esta é a primeira parte do projeto que, no total, tem custo orçado em R$ 13 milhões, a serem captados entre judeus e não judeus, com base nas leis do mecenato cultural.
Depois de recuperar o prédio, Amparo ptretende coletar toda a documentação existente esparsa em várias partes do mundo sobre a presença judaica nas Américas e colocá-la à disposição do público.
Ela acha que sua ação vai ajudar a revitalizar o bairro Recife Antigo. "Aquilo não pode ser só restaurantes e lojas, como agora".
Outra de suas ambições é criar um ambiente holandês no Recife. Amparo acha que a influência holandesa sobre a cidade foi enorme, embora os portugueses tenham procurado apagá-la ao máximo após recuperarem seu controle.
"Em 24 anos, os holandeses construíram 460 prédios, criaram as primeiras câmaras de justiça e legislativa do país, o primeiro código de obras, o primeiro código de limpeza pública, garantiram a liberdade religiosa e as liberdades individuais", afirma ela.
Depois do êxodo de 1654, só em 1910 judeus voltaram a viver no Recife. Hoje, formam comunidade de cerca de 450 famílias que mantém duas sinagogas, um colégio, um cemitério e casas assistenciais.
O local onde funcionou a primeira sinagoga das Américas foi desapropriado pela Prefeitura do Recife e está numa área já anteriormente tombada pelo Patrimônio Histórico da União. O projeto tem o apoio do Ministério da Cultura.


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