|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NETVOX
Histórias de livros e leitores
MARIA ERCILIA
Editora de Internet
Aos quatro anos, Alberto Manguel descobriu os livros. Nunca
mais largou deles e durante algum
tempo chegou a ganhar a vida lendo -única profissão que já invejei
neste mundo. Lia para ninguém
menos que Jorge Luis Borges, e
tanto leu que acabou virando escritor. Uma de suas obras é uma
linda "História da Leitura".
Como Manguel, se eu pudesse
passava o dia lendo. Não consigo
entender o horror com que muitos
ratos de biblioteca encaram a Internet, como se fosse o anticristo
do sacrossanto mundo dos livros.
Sempre me pareceu apenas uma
outra biblioteca, a maior de todas.
Um pouco bagunçada, é verdade
-mas enorme e sempre aberta.
E há cada vez mais livros e discos
flutuando soltos nela, livres do papel e do plástico. Para alegria da
mídia, que a cada dia anuncia um
fim de mundo diferente. Agora é a
indústria de música que estaria
condenada, por culpa do MP3.
Amanhã o vilão pode ser o livro
eletrônico -todo mundo vai preferir estragar a vista nas telas e
ninguém mais vai comprar livro
de papel, matando de fome escritores e editoras.
Será possível?
Na "História da Leitura" (Companhia das Letras) de Manguel, há
um capítulo que trata da "forma
do livro", que acalmaria os profetas do apocalipse, esses que enterram uma indústria por dia. Foi ali
que descobri que essa história de
formatos que vão e vêm é muito
mais velha que o "Windows".
Ptolomeu, por exemplo, era mais
monopolista que Bill Gates. Manguel conta que
ele queria porque queria
manter secreta
a fórmula do
papiro, para
que a Biblioteca de Alexandria permanecesse a maior
do mundo
-foi o primeiro formato proprietário da
história. Logo
apareceu um
concorrente à
altura, o pergaminho (de Pérgamo), e acabou com a alegria de Ptolomeu. O papiro
era mais caro,
menos resistente e menos macio -e tinha
que ser importado do Egito.
Logo muitos
aderiam ao pergaminho. O papiro
vinha em rolos, o pergaminho logo
começou a vir em códices, com páginas muito parecidas com as dos
livros de hoje.
Manguel compara o rolo de papiro com a tela do computador,
onde também é preciso rolar o texto. Seu desprezo pelos dois é evidente... Conta que os leitores da
época gostavam dos códices, porque podiam fazer anotações e
marcações na suas margens -não
deixava de ser uma forma de interatividade...
O desenho da máquina ao lado
foi criado no século 16, por Agostino Ramelli, um italiano que obviamente já sonhava com um programa de navegação. Sem sair do
lugar, uma pessoa pode ler várias
obras ao mesmo tempo, explicava.
A essas alturas, Gutenberg já tinha apresentado a primeira Bíblia
impressa em sua prensa, na Feira
de Frankfurt (em 1455). Manguel
conta que muitos temeram, à época, que se perderia a arte da caligrafia. Mas o que aconteceu foi
que, com a maior difusão dos livros, mais gente aprendeu a ler e
escrever, e "o século 16 se tornou
não apenas a era da palavra escrita, mas também o século dos grandes manuais de caligrafia".
"É interessante observar a frequência com que um avanço tecnológico antes promove do que elimina aquilo que supostamente deve substituir, levando-nos a perceber virtudes fora de moda que de
outra forma não teríamos notado
ou que consideraríamos sem importância", diz ele.
Os argumentos contra a prensa
de Gutenberg e mais tarde contra
edições populares são muito parecidos com os argumentos contra a
Internet. Os livros e sua indústria,
no entanto, sobreviveram muito
bem e se adaptaram a todas as
mudanças. Livros afinal são feitos
de palavras e não de papel.
Se muito mudou no formato dos
livros, outras coisas parecem não
ter mudado nada. Já no século 16,
dois comentadores franceses protestavam: "Os livreiros-editores já
não estavam preocupados em
prestigiar o mundo das letras; buscavam apenas publicar livros cuja
venda fosse garantida. Os mais ricos fizeram fortuna em cima de livros com mercado garantido,
reimpressões de velhos sucessos".
Já no começo do século, George
Orwell se assustava com a proliferação dos livrinhos da Penguin:
"Na qualidade de leitor, aplaudo
os Penguin Books; na qualidade de
leitor, excomungo-os. O resultado
poderá ser uma inundação de
reimpressões baratas que irão prejudicar as bibliotecas circulantes e
restringir a publicação de novos
romances. Isso seria uma coisa excelente para a literatura, mas péssima para os negócios".
Orwell não sabia o quanto estava errado. Nem quantos milhões
de livros dele a Penguin venderia...
E-mail: ercilia@folhasp.com.br
Texto Anterior: Outro canal - Patricia Decia: SBT e Band querem levar Ana Maria Braga Próximo Texto: Vídeo lançamentos: "Blade" empolga por ser despretensioso Índice
|