São Paulo, Segunda-feira, 12 de Abril de 1999
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NETVOX

Histórias de livros e leitores

MARIA ERCILIA
Editora de Internet

Aos quatro anos, Alberto Manguel descobriu os livros. Nunca mais largou deles e durante algum tempo chegou a ganhar a vida lendo -única profissão que já invejei neste mundo. Lia para ninguém menos que Jorge Luis Borges, e tanto leu que acabou virando escritor. Uma de suas obras é uma linda "História da Leitura".
Como Manguel, se eu pudesse passava o dia lendo. Não consigo entender o horror com que muitos ratos de biblioteca encaram a Internet, como se fosse o anticristo do sacrossanto mundo dos livros. Sempre me pareceu apenas uma outra biblioteca, a maior de todas. Um pouco bagunçada, é verdade -mas enorme e sempre aberta.
E há cada vez mais livros e discos flutuando soltos nela, livres do papel e do plástico. Para alegria da mídia, que a cada dia anuncia um fim de mundo diferente. Agora é a indústria de música que estaria condenada, por culpa do MP3. Amanhã o vilão pode ser o livro eletrônico -todo mundo vai preferir estragar a vista nas telas e ninguém mais vai comprar livro de papel, matando de fome escritores e editoras.
Será possível?
Na "História da Leitura" (Companhia das Letras) de Manguel, há um capítulo que trata da "forma do livro", que acalmaria os profetas do apocalipse, esses que enterram uma indústria por dia. Foi ali que descobri que essa história de formatos que vão e vêm é muito mais velha que o "Windows".
Ptolomeu, por exemplo, era mais monopolista que Bill Gates. Manguel conta que ele queria porque queria manter secreta a fórmula do papiro, para que a Biblioteca de Alexandria permanecesse a maior do mundo -foi o primeiro formato proprietário da história. Logo apareceu um concorrente à altura, o pergaminho (de Pérgamo), e acabou com a alegria de Ptolomeu. O papiro era mais caro, menos resistente e menos macio -e tinha que ser importado do Egito. Logo muitos aderiam ao pergaminho. O papiro vinha em rolos, o pergaminho logo começou a vir em códices, com páginas muito parecidas com as dos livros de hoje.
Manguel compara o rolo de papiro com a tela do computador, onde também é preciso rolar o texto. Seu desprezo pelos dois é evidente... Conta que os leitores da época gostavam dos códices, porque podiam fazer anotações e marcações na suas margens -não deixava de ser uma forma de interatividade...
O desenho da máquina ao lado foi criado no século 16, por Agostino Ramelli, um italiano que obviamente já sonhava com um programa de navegação. Sem sair do lugar, uma pessoa pode ler várias obras ao mesmo tempo, explicava.
A essas alturas, Gutenberg já tinha apresentado a primeira Bíblia impressa em sua prensa, na Feira de Frankfurt (em 1455). Manguel conta que muitos temeram, à época, que se perderia a arte da caligrafia. Mas o que aconteceu foi que, com a maior difusão dos livros, mais gente aprendeu a ler e escrever, e "o século 16 se tornou não apenas a era da palavra escrita, mas também o século dos grandes manuais de caligrafia".
"É interessante observar a frequência com que um avanço tecnológico antes promove do que elimina aquilo que supostamente deve substituir, levando-nos a perceber virtudes fora de moda que de outra forma não teríamos notado ou que consideraríamos sem importância", diz ele.
Os argumentos contra a prensa de Gutenberg e mais tarde contra edições populares são muito parecidos com os argumentos contra a Internet. Os livros e sua indústria, no entanto, sobreviveram muito bem e se adaptaram a todas as mudanças. Livros afinal são feitos de palavras e não de papel.
Se muito mudou no formato dos livros, outras coisas parecem não ter mudado nada. Já no século 16, dois comentadores franceses protestavam: "Os livreiros-editores já não estavam preocupados em prestigiar o mundo das letras; buscavam apenas publicar livros cuja venda fosse garantida. Os mais ricos fizeram fortuna em cima de livros com mercado garantido, reimpressões de velhos sucessos".
Já no começo do século, George Orwell se assustava com a proliferação dos livrinhos da Penguin: "Na qualidade de leitor, aplaudo os Penguin Books; na qualidade de leitor, excomungo-os. O resultado poderá ser uma inundação de reimpressões baratas que irão prejudicar as bibliotecas circulantes e restringir a publicação de novos romances. Isso seria uma coisa excelente para a literatura, mas péssima para os negócios".
Orwell não sabia o quanto estava errado. Nem quantos milhões de livros dele a Penguin venderia...

E-mail: ercilia@folhasp.com.br


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