da Equipe de Articulistas

"Fé" não é apenas um ótimo documentário. É um dos filmes mais interessantes e necessários realizados no Brasil em anos recentes.
Seu tema é vasto e labiríntico: as mil faces da religiosidade popular num país sincrético por excelência como é o Brasil.
O diretor Ricardo Dias teve competência e sensibilidade para não se perder nesse mundo sem fim, e realizou um filme que consegue ser ao mesmo tempo informativo e reflexivo, captar as múltiplas manifestações e a essência última do processo que investiga.
"Fé" transita do geral (as missas, romarias, procissões) ao particular (a emoção de cada indivíduo em sua relação com o sagrado) com uma fluência admirável.
Vemos, por exemplo, a multidão que circunda a basílica de Aparecida, mas vemos também o rosto contrito com que uma velhinha coloca com dificuldade algumas notas de R$ 1 no cofre do altar.
Algumas imagens são de uma força inexcedível. Uma mulher circunda, como uma sonâmbula, um pilar de cimento, que logo identificamos como o cajado da gigantesca estátua do padre Cícero, em Juazeiro do Norte.
No Vale do Amanhecer (DF), pessoas vestidas com roupas extravagantes celebram ao ar livre um culto que mistura signos de todas as religiões. Parece um filme trash sobre extraterrestres. Mas cada fiel vibra de humanidade.
Não há narrador, nem textos explicativos, apenas breves legendas com as informações básicas. Os únicos que falam são os oficiantes ou seguidores das diversas crenças (a exceção é um psicanalista). As imagens falam por elas.
A crítica, quando há, está na própria exposição. Diante da histeria coletiva de um culto-show da Renascer, por exemplo, é palpável a picaretagem que governa aquilo. Mas tudo é fé, e Dias respeita o mistério e a beleza de crer. (JGC)