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CINEMA
Dias retrata religiosidade popular do Brasil em "Fé"
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
O longa-metragem "Fé", que
abre hoje em São Paulo o 4º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, é um painel
multifacetado da religiosidade popular no Brasil de hoje.
Do candomblé ao catolicismo,
do espiritismo às seitas evangélicas, do culto do padre Cícero em
Juazeiro do Norte (CE) ao misticismo do Vale do Amanhecer (DF),
todas as formas de fé da população
brasileira pulsam e vibram nesse
documentário singular.
Seu diretor, Ricardo Dias, 49, levou um ano e quatro meses colhendo imagens e sons de rituais,
cerimônias, festas e romarias pelo
país afora. Ao final de seu próprio
périplo, o cineasta tinha em mãos
60 horas de material filmado e 120
horas de áudio gravadas.
Com a ajuda do experiente montador (e também cineasta) Eduardo Escorel, condensou esse material num filme de 90 minutos.
"Pela primeira vez na vida, tive
um orçamento adequado ao tamanho da minha proposta, e não precisei economizar negativo", diz o
diretor, que gastou cerca de US$
400 mil em seu documentário.
A produção do filme percorreu o
Distrito Federal e cinco Estados
brasileiros: Pará, Ceará, Bahia, Minas Gerais e São Paulo. Mas o longo tempo consumido nas filmagens (de outubro de 96 a janeiro de
98) não se deveu apenas aos grandes deslocamentos geográficos.
Semanas antes de filmar cada
templo, terreiro ou igreja, Dias e
sua pequena equipe instalavam-se
no local, conversavam com os responsáveis e participantes dos rituais, até tornarem-se "invisíveis"
e poderem realizar seu trabalho
com um mínimo de intervenção
sobre a realidade retratada.
"Costumo dizer que, para fazer
documentário, você precisa ter paciência, tempo, boa educação e, se
possível, um pouco de talento",
define o cineasta.
As imagens foram captadas com
uma câmera super-16 milímetros
-o que permitiu maior mobilidade e contribuiu para a "invisibilidade" das filmagens- e posteriormente ampliadas para 35 mm.
A Igreja Universal, do bispo Edir
Macedo, não permitiu a filmagem
de seus cultos. "As outras não ofereceram maiores resistências", diz
Ricardo Dias.
Formação católica
Os protagonistas de "Fé" são
pais-de-santo, padres, pastores e
médiuns, mas também -e principalmente- praticantes anônimos
das várias religiões. Um dos personagens que falam no filme, o bispo
de Uberaba (MG), é padrinho de
crisma de Ricardo Dias.
"Tive uma formação católica
muito forte, e mesmo na universidade, na época do engajamento
nas posições de esquerda, eu nunca concordei com a idéia de que a
religião é o ópio do povo", afirma o
diretor, que hoje não professa nenhuma religião.
Questionado sobre os grandes
temas religiosos -a existência da
alma, a vida depois da morte, a justiça divina etc.-, Dias diz preferir
não pensar neles. "Como diz um
personagem do filme, o mago Raul
de Xangô, a morte não é nada: não
viver é que é medonho."
Sem narração
Quando estava montando o material colhido, Dias procurou a escritora mineira Adélia Prado para
lhe pedir conselhos sobre a narração mais adequada ao filme.
"Mandei-lhe uma fita, e ela respondeu dizendo que achava melhor deixar o documentário sem
narração (o que acabou acontecendo). E declarou: "Seu filme consegue mostrar o que significa a
adoração"."
Dias diz que teve a idéia de realizar o documentário quando estava
filmando seu longa anterior, "No
Rio das Amazonas", e conheceu a
religiosidade das populações do
Baixo Amazonas.
"Minha idéia do filme é a de entrar numa igreja de periferia, de
paredes de reboco, e descobrir um
mundo lá dentro. E acontece o
mesmo com as pessoas: cada uma
é um mundo", diz o diretor.
Ele cita como exemplos alguns
dos personagens que descobriu rodando "Fé", como o homem que,
abandonado pela mulher, passa a
consertar imagens quebradas de
santos, ou a moça que ensina hinos
religiosos ao papagaio que uma
parente lhe confiou.
Em paz com seus santos, Ricardo
Dias já tem dois novos projetos em
mente: um documentário sobre
Brasília e um longa de ficção sobre
Raul Seixas, que já tem até título:
"Maluco Beleza".
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