São Paulo, sábado, 12 de maio de 2001

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"Tarsila Cronista", seleção feita por Aracy Amaral de textos jornalísticos da pintora, sai na semana que vem

Palavra de modernista
Edusp promove reencontro de amigos

"A Aventura Brasileira de Blaise Cendrars", em nova edição, traça ligações entre o poeta e o país

FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Entre os modernistas, Tarsila do Amaral era musa. Afinal, que outra mulher à sua época poderia ser tão culta, talentosa e bela, "mais bela do que um ovo"?
A comparação veio em forma de verso, dedicado à artista, do poeta franco-suíço Blaise Cendrars (em "Sud-Américaines, V"). O prosaico elogio não era pouco. Entre os modernistas, Blaise Cendrars era guru.
Tarsila (1886-1973) encontraria pela primeira vez Frédéric Louis Sauser, nome verdadeiro de Cendrars (1887-1961), em Paris, no ano de 1923. Hoje, voltam a se reencontrar, no prelo da Edusp.
O poeta deu as caras antes. No mês passado, a Edusp lançou uma segunda edição de "A Aventura Brasileira de Blaise Cendrars". A obra de Alexandre Eulalio (1932-1988), originalmente publicada em 1978, volta revista e ampliada por Carlos Augusto Calil.
Já a pintora reaparece na semana que vem, na Bienal do Livro do Rio. "Tarsila Cronista", coletânea de textos jornalísticos organizada por Aracy Amaral, revela que não só com os pincéis a artista era hábil em traçar retratos.
Os lançamentos reforçam ainda mais os elos, sabidamente fortes, da influência mútua trocada entre o poeta e não só Tarsila, mas todo o grupo modernista e o Brasil.

Tarsila desconhecida
Aracy Amaral recebe a Folha em casa. Em cima da mesa, coloca os livros que escreveu sobre o modernismo, a prima distante e -surpresa?- sobre Cendrars.
"Foi meu primeiro livro", diz, mostrando "Blaise Cendrars no Brasil e os Modernistas" (editora 34). "Iniciei a pesquisa sobre a obra de Tarsila e encontrei tanto material sobre Cendrars que comecei a me enfronhar."
A pesquisadora, que começou a estudar o modernismo brasileiro em 1966, diz que só com o doutorado concebeu "Tarsila, Sua Obra e Seu Tempo" (Perspectiva).
Ela ressalta que faria "incursões" a outros períodos. "Não gosto de ficar rotulada." "Mas", completa, "sentia que faltava trazer à luz uma parte de Tarsila que é desconhecida. Como uma vez disse o [poeta concretista" Haroldo de Campos, tudo o que você escreve no jornal fica sepultado".
"Então pensei: "Devo a Tarsila, ainda, a publicação dessa contribuição dela à imprensa diária"."
A autora diz ter, por isso, reunido fôlego para essa penúltima empreitada -depois só pretende editar mais um livro, já pronto, sobre a parente distante: uma reunião da correspondência entre a pintora e Mário de Andrade.
A Tarsila escritora surge após o modernismo. Suas primeiras crônicas para os Diários Associados são de 1936, depois, portanto, do fim do movimento (1929), lembra Amaral. À época, a pintora lutava para reaver a fazenda da família, hipotecada, e contra as dificuldades financeiras resultantes.
Ela manteve a atividade pelos 20 anos seguintes. "Ela se coloca muito como jornalista, quase se esquecendo de que era uma artista, como se não assumisse mais que tinha tido um papel preponderante", conta Amaral.
Ela aponta que a literatura era "terreno familiar" a Tarsila e que seu estilo não se alimentou do convívio com nomes como Mário e Oswald de Andrade (seu companheiro entre 1923 e 1930). "Ela não tinha especulações do ponto de vista experimental. Ela escrevia como quem escreve uma carta."
Em contrapartida, diz notar nos textos algo da organização racional que marcava seus quadros.
Uma olhada na relação, ao final do volume, dos títulos publicados por Tarsila até 1956 permite ver a amplitude dos temas que ela abordou: artes plásticas, teatro, música (aliás, outra vocação da artista, que era também pianista), pintura oriental, vida social, filosofia, literatura. "É quase enciclopédico", define Amaral.
A reunião não tem todos os textos aí listados; conta com pouco mais de 70 crônicas, dispostas cronologicamente após uma didática introdução de Amaral.
A organizadora explica que, entre os "recortes amarelecidos" que encontrou numa pasta, organizados pela pintora ("ela guardava tudo"), pinçou os que resgatassem "as memórias do modernismo no Brasil e a vida em Paris na década de 20".
Para Amaral, a seleção deixa notar a delicadeza e a generosidade da personalidade da artista -que encantaria, inclusive, o amigo Cendrars, que dizia que "Tarsila é genial, que é a mais bela e o maior pintor de hoje".



TARSILA CRONISTA. De: Aracy Amaral. Editora: Edusp (tel. 0/xx/11/3818-4008, www.usp.br/edusp). Primeira edição. 248 págs. Preço a definir.



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