São Paulo, sábado, 12 de maio de 2001

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FOLCLORE

Termina primeira edição do evento nas cidades cearenses de Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte

Bienal de Artes do Cariri celebra tradição

VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A BARBALHA (CE)

No Cariri, sertão cearense, os paus-de-arara continuam a ranger pelo asfalto ou estradas de terra batida. Esse meio arcaico de transporte -o povo espremido feito gado na carroceria do caminhão- não tem a demanda de quatro, cinco décadas atrás, quando levava migrantes nordestinos para o "Sul maravilha".
Hoje, os paus-de-arara concorrem com lotações, caminhonetes, além do aeroporto de Juazeiro do Norte e do cyber café de Crato.
Cercado por montanhas, o vale do Cariri, primitivamente habitado pela nação indígena (dizimada) que lhe dá nome, destoa do imaginário árido da seca e chega ao século 21 preso às raízes.
Prova de perseverança da cultura popular se deu no domingo passado, em Barbalha (550 km ao sul de Fortaleza), no cortejo de 15 grupos folclóricos vindos do Cariri, a maioria, ou de Pernambuco e do Rio Grande do Norte.

Tradições populares
Os "folguedos" (ou melhor, as brincadeiras) são o ponto alto da 1ª Bienal de Artes do Cariri, que acontece simultaneamente em Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte -iniciativa das prefeituras (R$ 70 mil cotizados) e do Estado (R$ 400 mil). Esses municípios (são 32 na região) formam triângulo dos mais representativos na devoção às tradições populares.
A programação do evento termina hoje, quando o cortejo se repete, desta vez em Crato, cidade natal de padre Cícero (1844-1934). Desde o dia 4 aconteceram diversos shows (Xangai, Cordel do Fogo Encantado, Bia Bedran, Luís Fidelis, Bráulio Tavares, Antúlio Madureira etc), exposições, mostras de vídeo, lançamentos de livro, encontro de cordelistas e oficinas (percussão, xilogravura, brinquedos etc).
Em começo de noite no qual a lua se insinua cheia, os moradores de Barbalha acompanham reisados, dança do coco, dança do pau de fita, incelências, penitentes, enfim, ritmos, cânticos e movimentos característicos do Nordeste, transmitidos espontaneamente por gerações.
"Quando meu pai morreu, aos 104 anos, ele disse para os seis filhos: "Essa bandinha é para vocês alegrarem o Brasil". É essa a missão que cumprimos com prazer", afirma Raimundo, 65, um dos integrantes da banda cabaçal dos Irmãos Aniceto, de Crato.
De Caicó (RN), vem o reisado do grupo Reis Negros do Rosário, criado em 1771. Quem conta sua história é Bonifácio José Andrade, 69, que já foi capitão-de-lança (comanda o bailado guerreiro que simula ataque e defesa) e hoje é um dos tocadores de tambor.
As incelências e os penitentes do sítio Cabeceiras, em Barbalha, despertam atenção pelos cânticos dolentes e pelas roupas (elas, vestidos e lenços brancos na cabeça; eles, batas pretas com desenhos de cruz em branco e capuz).
Mulheres entoam como se velassem "um anjo" (criança). Homens louvam e se imolam com pequenos chicotes com lâminas nas pontas. "É como lei divina, não dói", diz Severino Antônio Rocha, 75.
O cortejo cativa os moradores de Barbalha, eles que em junho celebram a profana festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio.
"Nasci e me criei vendo a cultura do povo, nosso mundo é este", conta a dona-de-casa Terezinha Ribeiro Bezerra, 57.
"Olha o boi, olha o boi, minha filha", empolga-se a moradora Eneida Feitosa de Queiróz, 68, despertando os "oím" da bisneta, Emilly, de sete meses, em seu colo.


O jornalista Valmir Santos viajou a convite da 1ª Bienal de Artes do Cariri



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