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FOLCLORE
Termina primeira edição do evento nas cidades cearenses de Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte
Bienal de Artes do Cariri celebra tradição
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A BARBALHA (CE)
No Cariri, sertão cearense, os
paus-de-arara continuam a ranger pelo asfalto ou estradas de terra batida. Esse meio arcaico de
transporte -o povo espremido
feito gado na carroceria do caminhão- não tem a demanda de
quatro, cinco décadas atrás,
quando levava migrantes nordestinos para o "Sul maravilha".
Hoje, os paus-de-arara concorrem com lotações, caminhonetes,
além do aeroporto de Juazeiro do
Norte e do cyber café de Crato.
Cercado por montanhas, o vale
do Cariri, primitivamente habitado pela nação indígena (dizimada) que lhe dá nome, destoa do
imaginário árido da seca e chega
ao século 21 preso às raízes.
Prova de perseverança da cultura popular se deu no domingo
passado, em Barbalha (550 km ao
sul de Fortaleza), no cortejo de 15
grupos folclóricos vindos do Cariri, a maioria, ou de Pernambuco e
do Rio Grande do Norte.
Tradições populares
Os "folguedos" (ou melhor, as
brincadeiras) são o ponto alto da
1ª Bienal de Artes do Cariri, que
acontece simultaneamente em
Barbalha, Crato e Juazeiro do
Norte -iniciativa das prefeituras
(R$ 70 mil cotizados) e do Estado
(R$ 400 mil). Esses municípios
(são 32 na região) formam triângulo dos mais representativos na
devoção às tradições populares.
A programação do evento termina hoje, quando o cortejo se repete, desta vez em Crato, cidade
natal de padre Cícero (1844-1934).
Desde o dia 4 aconteceram diversos shows (Xangai, Cordel do Fogo Encantado, Bia Bedran, Luís
Fidelis, Bráulio Tavares, Antúlio
Madureira etc), exposições, mostras de vídeo, lançamentos de livro, encontro de cordelistas e oficinas (percussão, xilogravura,
brinquedos etc).
Em começo de noite no qual a
lua se insinua cheia, os moradores
de Barbalha acompanham reisados, dança do coco, dança do pau
de fita, incelências, penitentes, enfim, ritmos, cânticos e movimentos característicos do Nordeste,
transmitidos espontaneamente
por gerações.
"Quando meu pai morreu, aos
104 anos, ele disse para os seis filhos: "Essa bandinha é para vocês
alegrarem o Brasil". É essa a missão que cumprimos com prazer",
afirma Raimundo, 65, um dos integrantes da banda cabaçal dos Irmãos Aniceto, de Crato.
De Caicó (RN), vem o reisado
do grupo Reis Negros do Rosário,
criado em 1771. Quem conta sua
história é Bonifácio José Andrade,
69, que já foi capitão-de-lança
(comanda o bailado guerreiro
que simula ataque e defesa) e hoje
é um dos tocadores de tambor.
As incelências e os penitentes do
sítio Cabeceiras, em Barbalha,
despertam atenção pelos cânticos
dolentes e pelas roupas (elas, vestidos e lenços brancos na cabeça;
eles, batas pretas com desenhos
de cruz em branco e capuz).
Mulheres entoam como se velassem "um anjo" (criança). Homens louvam e se imolam com
pequenos chicotes com lâminas
nas pontas. "É como lei divina,
não dói", diz Severino Antônio
Rocha, 75.
O cortejo cativa os moradores
de Barbalha, eles que em junho
celebram a profana festa do Pau
da Bandeira de Santo Antônio.
"Nasci e me criei vendo a cultura do povo, nosso mundo é este",
conta a dona-de-casa Terezinha
Ribeiro Bezerra, 57.
"Olha o boi, olha o boi, minha
filha", empolga-se a moradora
Eneida Feitosa de Queiróz, 68,
despertando os "oím" da bisneta,
Emilly, de sete meses, em seu colo.
O jornalista Valmir Santos viajou a convite da 1ª Bienal de Artes do Cariri
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