São Paulo, sábado, 12 de maio de 2001

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LIVROS/LANÇAMENTOS

ALEX GARLAND

Autor de "A Praia" fala sobre sua segunda obra, escrita antes do hype

Chega "O Tesseracto", livro que DiCaprio não estragou

LÚCIO RIBEIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Não é isso. Mas é mais ou menos isso. Leonardo DiCaprio interferiu na literatura britânica. O escritor inglês Alex Garland, 31, festejado nome da atuante vertente pop de escritores do Reino Unido (Nick Hornby, Irvine Welsh, Will Self, o mezzo-suíço Alain de Botton), não escreve mais romances desde que seu primeiro livro, "A Praia" (1997), virou blockbuster nos cinemas (2000).
Conhecido por sua timidez e consequente total falta de estrelismo, Garland afirma que deu um tempo dos romances porque teme que, com tudo que envolveu "A Praia", livro e filme, as pessoas não consigam ler seus livros sem imaginar que "essa é uma história de Alex Garland, o cara que escreveu "A Praia'".
Sorte da literatura que, antes de "A Praia" atingir as telas, Garland escreveu "O Tesseracto" (1999), que acaba de chegar às livrarias brasileiras e será lançado na 10ª Bienal Internacional do Livro, no Rio, que começa na próxima semana.
Dá para perceber que Alex Garland hoje é um outro homem. Continua com sua reconhecida timidez, mas talvez por causa do "fator Leonardo", já não é tanta assim.
O escritor falou à Folha sobre "O Tesseracto" em entrevista por telefone, de Londres. No ano passado, por ocasião do lançamento brasileiro do livro "A Praia", só aceitou conversar com a reportagem por e-mail, alegando timidez em falar com pessoas sobre sua obra.

Folha - O começo de "O Tesseracto" não é igual ao de "A Praia"? Descrições de um hotel de terceiro mundo sujo e esquisito, insetos, calor, tornando a vida de um europeu mais difícil?
Alex Garland -
Você acreditaria se eu dissesse que foi inconscientemente? Eles são mesmo similares, os dois inícios, mas só fui perceber isso quando estava escrevendo uma terceira história, um conto. Um amigo me disse: "Outra história que começa em um hotel...". Fiquei surpreso.
Racionalmente, isso deve vir de minhas histórias de viagens, porque todas as minhas primeiras impressões dos lugares por onde andei nascem nos hotéis.
Um outro aspecto, que eu acho interessante, é que, começando histórias em hotéis, você coloca todo o mundo na mesma posição: escritor, personagem e leitor.
O personagem não conhece o lugar onde está. O escritor começa a escrever a história e geralmente não sabe como ela vai acabar. E o leitor, claro, não sabe nada de nada.

Folha - Por outro lado "O Tesseracto" tem um lado triste e violento, nada como o paraíso que é "A Praia".
Garland -
Embora haja uma estrutura semelhante nas duas histórias -as viagens e o ambiente estranho-, os personagens buscam objetivos bem distintos.

Folha - Dentro dessa "nova linhagem de autores britânicos", que já nem é mais tão nova assim, você é considerado uma espécie de contracorrente. Seu estilo é simples e econômico na transcrição de eventos, enquanto vários outros preferem longas e complexas sentenças. Você concorda com isso?
Garland -
Eu venho dos quadrinhos, então acho que meu jeito de escrever nasceu da necessidade de contar uma história da maneira mais simples e direta, sempre. Além do mais, fico completamente entediado quando um autor dá muito mais valor ao seu estilo de escrever do que à própria história.
Um livro flui mais, na minha opinião, quando o escritor é invisível. Quando você se envolve com o que está lendo sem notar a presença do autor.

Folha - "O Tesseracto" vai virar filme. Li que você já está escrevendo o roteiro. Tem mais detalhes?
Garland -
O que está certo é que vai virar filme, mas não vou escrever nada. O filme, assim como foi com "A Praia", não tem nenhuma conexão comigo. Escrevi o livro e vendi os direitos. E só. Não boto mais a mão na obra.
O filme, pelo que sei, está em um estágio bem cru ainda. Não há muito o que falar sobre ele.

Folha - Como você considera a aceitação de "O Tesseracto" por parte do público europeu, quando ele foi lançado, em 1999, uma vez que é o livro que sucedeu o celebrado "A Praia"?
Garland -
Eu tenho consciência de que muita gente no Reino Unido, onde eu vivo, comprou "O Tesseracto"-livro mais por causa do "A Praia"-filme, para ver o que viria em seguida. Mas, mesmo quando o falatório sobre o filme diminuiu, o livro continuou a vender bem, o que significa que a literatura sobreviveu ao cinema. Acho que a aceitação foi boa, de um modo geral.

Folha - Por falar em "A Praia", você gostou do resultado final do filme?
Garland -
O filme é muito estranho para mim. Eu não pude assistir a ele como um filme. Não consegui parar de ver minha ligação com ele. Gosto bastante do pessoal que transformou o livro em filme (Andrew McDonald, o produtor; Danny Boyle, diretor, e John Hodge, roteirista). Gente muito decente. Mas não consigo ter nenhuma opinião objetiva sobre o filme.

Folha - Como "A Praia", livro e depois filme, mudou sua vida?
Garland -
Financeiramente foi muito bom. Mas de uma certa forma ele me fez parar de escrever livros ("O Tesseracto" foi escrito antes de "A Praia" chegar às telas). Causou muito barulho na minha vida. Como eu disse antes, um autor precisa ser invisível em seu livro para uma boa história fluir. Então fiquei com tanto medo de não conseguir isso que resolvi parar um pouco.

Folha - Então não é absurdo dizer que o ator Leonardo DiCaprio interrompeu a carreira do escritor Alex Garland?
Garland -
Não é isso. Mais ou menos, na verdade. Dei uma parada com romances, por causa de "A Praia". Não há nada de novo para um futuro próximo. Recentemente eu apenas escrevi um conto, uma aventura que se passa na África. No momento, estou trabalhando em transformar esse conto em um filme. Mas ainda está cedo para adiantar detalhes.



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