São Paulo, sábado, 12 de maio de 2007

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Livros - Crítica/ensaio

George Soros mostra seu lado "filósofo"

Com passagens interessantes, "A Era da Insegurança", aqui e ali, se assemelha a exercício de megalomania intelectual

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O investidor George Soros provavelmente é o milionário mais atuante em causas políticas e sociais sem objetivos eleitorais próprios (como fizeram diversas pessoas ricas na história dos EUA) de que se tem notícia.
Por meio de fundações mantidas com o dinheiro que obteve no mercado financeiro, George Soros deu suporte a pessoas e instituições que defendiam a abertura política na Europa Oriental e na China durante a Guerra Fria.
Depois, apoiou esforços humanitários para diminuir os efeitos desastrosos dos conflitos que sucederam a desintegração da Iugoslávia e foi fundamental para o sucesso das revoluções democráticas na Geórgia e na Ucrânia.
Além disso, tem ajudado movimentos pelos direitos de minorias culturais e étnicas (homossexuais, ciganos, mulheres) e por políticas públicas progressistas em áreas como o combate à Aids, o direito à morte digna, o combate ao tráfico de drogas ilegais.

Segundas intenções
Trata-se, sem dúvida, de um personagem diferenciado no panorama das celebridades, especialmente das que se notabilizam pelo sucesso como empresários. Ele próprio reconhece que "nossa sociedade desconfia dos que se dizem virtuosos, e não deixa de ter razão. Muita gente rica cria fundações com segundas intenções".
Soros afirma gostar de pensar que é diferente, mas sempre diz aos que questionam os seus motivos que eles têm todo o direito de fazê-lo. "Quando afirmo que ajo desinteressadamente, o ônus da prova é meu."
Até agora, ele tem conseguido arcar com esse ônus. Sua mais ambiciosa meta recente, impedir a reeleição do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, fracassou. Isso o moveu a rever a racionalidade que o havia levado a gastar dezenas de milhões de dólares na campanha presidencial americana de 2004.
Se a maioria dos americanos preferiu manter Bush na Casa Branca, o problema possivelmente não estava no eleito, mas na sociedade que o elegeu. E esse é um dos pontos de partida para o seu mais recente livro, "A Era da Insegurança", que acaba de ser publicado no Brasil pela editora Campus-Elsevier.

Megalomania intelectual
Soros não é ambicioso apenas na arena da atuação política. Ele também parece considerar-se um filósofo importante, pelo que se depreende da leitura de "A Era da Insegurança".
É exatamente por isso que esse livro, com passagens interessantíssimas e certamente dignas de reflexão, aqui e ali se assemelha a um exercício de megalomania intelectual.
George Soros disse em entrevista ao jornal "New York Times" que "infelizmente" é ele mesmo quem escreve os livros que assina: "Não confio em ghost-writers". Percebe-se nitidamente a autenticidade de sua escrita, e essa é uma das peculiaridades que conferem à obra um sabor especial e legitimidade indiscutível.
Se o autor tivesse se limitado a descrever os motivos que o levaram a agir como agitador político, as maneiras pelas quais tem levado a cabo seus projetos e as lições que vem extraindo delas, "A Era da Insegurança" seria um prazer de ler.
Mas Soros resolve filosofar quase o tempo todo sobre temas fundamentais da experiência humana, com ligeireza e superficialidade incompatíveis com a grandiloqüência com que se expressa: uma página para "a busca da verdade", outra para "o problema da morte", com conclusões idiossincráticas apresentadas como se tivessem originalidade e universalidade incontestáveis.

Sociedade aberta
Soros estudou com Karl Popper na London School of Economics logo após a Segunda Guerra e adotou o conceito de sociedade aberta do autor austríaco-britânico para ser o paradigma de sua ação política, uma influência muito positiva, sem sombra de dúvida.
Mas a impressão que fica é que a convivência com Popper na universidade deu a Soros o direito de ele próprio se expressar como um par do professor de epistemologia.
É verdade, como Soros repete incansavelmente ao longo do livro, que a sua "independência financeira" lhe garante ser ouvido por audiências enormes.
Mas teria sido bom que ele tivesse aprendido a ser um pouco menos ambicioso em suas pretensões intelectuais, como o fez Susan Sontag, que aconselha num dos ensaios de seu livro póstumo: "Há algo vulgar na disseminação pública de opiniões sobre assuntos dos quais uma pessoa não tem conhecimento extensivo de primeira mão. Se eu falo do que não conheço, ou do que conheço superficialmente, isso é meramente conversa de mercador".


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é diretor de relações institucionais da Patri Políticas Públicas. É membro do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e do conselho editorial da "Revista de Política Externa".

A ERA DA INSEGURANÇA - AS CONSEQÜÊNCIAS DA GUERRA CONTRA O TERRORISMO
Autor:
George Soros
Tradução: Lucia Boldrini
Editora: Campus-Elsevier
Quanto: R$ 49,90 (212 págs.)
Avaliação: regular
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