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Livros - Crítica/ensaio
George Soros mostra seu lado "filósofo"
Com passagens interessantes, "A Era da Insegurança", aqui e ali, se assemelha a exercício de megalomania intelectual
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O investidor George Soros provavelmente é o
milionário mais atuante em causas políticas e sociais
sem objetivos eleitorais próprios (como fizeram diversas
pessoas ricas na história dos
EUA) de que se tem notícia.
Por meio de fundações mantidas com o dinheiro que obteve no mercado financeiro,
George Soros deu suporte a
pessoas e instituições que defendiam a abertura política na
Europa Oriental e na China durante a Guerra Fria.
Depois, apoiou esforços humanitários para diminuir os
efeitos desastrosos dos conflitos que sucederam a desintegração da Iugoslávia e foi fundamental para o sucesso das revoluções democráticas na
Geórgia e na Ucrânia.
Além disso, tem ajudado movimentos pelos direitos de minorias culturais e étnicas (homossexuais, ciganos, mulheres) e por políticas públicas
progressistas em áreas como o
combate à Aids, o direito à morte digna, o combate ao tráfico
de drogas ilegais.
Segundas intenções
Trata-se, sem dúvida, de um
personagem diferenciado no
panorama das celebridades, especialmente das que se notabilizam pelo sucesso como empresários. Ele próprio reconhece que "nossa sociedade desconfia dos que se dizem virtuosos, e não deixa de ter razão.
Muita gente rica cria fundações
com segundas intenções".
Soros afirma gostar de pensar que é diferente, mas sempre
diz aos que questionam os seus
motivos que eles têm todo o direito de fazê-lo. "Quando afirmo que ajo desinteressadamente, o ônus da prova é meu."
Até agora, ele tem conseguido arcar com esse ônus. Sua
mais ambiciosa meta recente,
impedir a reeleição do presidente dos Estados Unidos,
George W. Bush, fracassou. Isso o moveu a rever a racionalidade que o havia levado a gastar
dezenas de milhões de dólares
na campanha presidencial
americana de 2004.
Se a maioria dos americanos
preferiu manter Bush na Casa
Branca, o problema possivelmente não estava no eleito,
mas na sociedade que o elegeu.
E esse é um dos pontos de partida para o seu mais recente livro, "A Era da Insegurança",
que acaba de ser publicado no
Brasil pela editora Campus-Elsevier.
Megalomania intelectual
Soros não é ambicioso apenas na arena da atuação política. Ele também parece considerar-se um filósofo importante,
pelo que se depreende da leitura de "A Era da Insegurança".
É exatamente por isso que
esse livro, com passagens interessantíssimas e certamente
dignas de reflexão, aqui e ali se
assemelha a um exercício de
megalomania intelectual.
George Soros disse em entrevista ao jornal "New York Times" que "infelizmente" é ele
mesmo quem escreve os livros
que assina: "Não confio em
ghost-writers". Percebe-se nitidamente a autenticidade de
sua escrita, e essa é uma das peculiaridades que conferem à
obra um sabor especial e legitimidade indiscutível.
Se o autor tivesse se limitado
a descrever os motivos que o levaram a agir como agitador político, as maneiras pelas quais
tem levado a cabo seus projetos
e as lições que vem extraindo
delas, "A Era da Insegurança"
seria um prazer de ler.
Mas Soros resolve filosofar
quase o tempo todo sobre temas fundamentais da experiência humana, com ligeireza e
superficialidade incompatíveis
com a grandiloqüência com
que se expressa: uma página
para "a busca da verdade", outra para "o problema da morte",
com conclusões idiossincráticas apresentadas como se tivessem originalidade e universalidade incontestáveis.
Sociedade aberta
Soros estudou com Karl Popper na London School of Economics logo após a Segunda
Guerra e adotou o conceito de
sociedade aberta do autor austríaco-britânico para ser o paradigma de sua ação política,
uma influência muito positiva,
sem sombra de dúvida.
Mas a impressão que fica é
que a convivência com Popper
na universidade deu a Soros o
direito de ele próprio se expressar como um par do professor
de epistemologia.
É verdade, como Soros repete incansavelmente ao longo do
livro, que a sua "independência
financeira" lhe garante ser ouvido por audiências enormes.
Mas teria sido bom que ele tivesse aprendido a ser um pouco
menos ambicioso em suas pretensões intelectuais, como o fez
Susan Sontag, que aconselha
num dos ensaios de seu livro
póstumo: "Há algo vulgar na
disseminação pública de opiniões sobre assuntos dos quais
uma pessoa não tem conhecimento extensivo de primeira
mão. Se eu falo do que não conheço, ou do que conheço superficialmente, isso é meramente conversa de mercador".
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é diretor de
relações institucionais da Patri Políticas Públicas. É membro do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP, do Centro Brasileiro de
Relações Internacionais e do conselho editorial
da "Revista de Política Externa".
A ERA DA INSEGURANÇA - AS CONSEQÜÊNCIAS DA GUERRA CONTRA O TERRORISMO
Autor: George Soros
Tradução: Lucia Boldrini
Editora: Campus-Elsevier
Quanto: R$ 49,90 (212 págs.)
Avaliação: regular
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