|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RELÂMPAGOS
Corpo na mesa
JOÃO GILBERTO NOLL
"Que sedosa aquela pele."
Não, ele não tinha razões para
aquele encantamento todo.
Talvez por isso mesmo se encantasse. O certo, o palpável é
que estava naquela terça-feira
à tarde. E que havia o ruído de
uma serra mecânica pelos arredores. Só podia contar com
isso, nada mais. Agora, talvez,
fosse para a cozinha e abrisse
a geladeira. Que estava, sim,
vazia. De novo muito pouco,
quase nada. Era obrigado a
concordar. E ele, um flautista
que tirava seu ralo sustento
da flutuação musical, pôs-se a
tremer severamente. Olhem:
o corpo inteiro de bruços sobre a mesa. Tudo porque não
queria destilar enjoativos licores de sua fragilíssima situação. Num repente, estancou os tremores. Virou-se.
Fingiu-se de morto. E sentiu
um arranque brutal para fora
de sua escassez.
Texto Anterior: Águas Próximo Texto: Música: "O futuro do jazz é brilhante", diz T.S. Monk Índice
|