São Paulo, segunda-feira, 12 de junho de 2000


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ARTIGO

Ao vislumbrarmos o ar, confundimos conhecimento com conhecimento

LOBÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Como conseguir fazer falar àqueles que não têm esse direito e devolver aos sons seu valor de luta contra o controle?
Parece-me que o processo histórico começa a se encarregar de redefinir o perfil do mal, do vilão que há tanto tempo se camufla na paisagem de um cenário onde tudo é bonitinho, higienizado, infantilizado e controlado.
Agora percebemos este grande vilão aparecer em toda a sua exuberância, por meio de "colapsos" e crises em praticamente todas as áreas do conhecimento.
E é este poderoso gigante de gesso que começa a rosnar com ameaças e truculência. Diante de uma realidade inexorável das rádios livres e comunitárias, a boca desgrenhada do gigante vocifera sua ira vã.
Tenho percorrido o vasto território brasileiro, visitando rádios comunitárias, verificando de perto o efeito que elas produzem e concluo, admirado, como é que ainda estamos num estágio tão primário em relação a suas conquistas.
Como ainda podemos testemunhar (e permitir) a reação truculenta de organismos como a Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão) que, à semelhança de outras entidades em áreas vizinhas, organiza uma campanha terrorista e mentirosa sobre os efeitos "catastróficos" das rádios "piratas"?
É muito curioso perceber a generalização de uma área tão complexa e diversa como esta, a das rádios livres, comunitárias, piratas, clandestinas, proselitistas (religiosas e políticas), colocá-las num balaio de gatos e abrir fogo, preferencialmente naquelas que mais serviços prestam à comunidade e nas mais vulneráveis por não ter poder econômico ou força política.
E por falar em mal, havemos de concluir que, mesmo podendo haver todas as vicissitudes que ocorrem nas rádios oficiais, está mais do que na hora de abrir o leque da informação, promover de forma ampla a diversidade de informação, inventar linhas de escape para oxigenar a nossa formação, agenciar novos modelos de geração de cultura e proliferar as diferenças para estimular nossa capacidade de reflexão e curiosidade.
Não será por meio de campanhas mentirosas, da tentativa de perpetuar o megacoronelato em que vivemos, que conseguiremos entrar numa era de exercício pleno da democracia.
Não será presenciando comemorações patrióticas estapafúrdias que infundiremos nossa verdadeira auto-estima sem cair no ufanismo ciclotímico e canastrão que, antes de tudo, trave de alegria histérica nossa miséria, impossibilitando, como um feriado enforcado, a verdadeira alegria, que é a liberdade de engendrar o nosso próprio destino, nosso conhecimento.


Lobão é cantor e compositor e lançou este ano a rádio independente UP FM (Universo Paralelo)

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