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Versões inéditas ficam engavetadas
DA REPORTAGEM LOCAL
As festas "invisíveis" em torno
da obra de Joyce serão especiais
neste ano também no Brasil. O dificílimo "Ulisses", que tem só
duas traduções em português publicadas, a brasileira de Antonio
Houaiss, de 1966, e a lusitana, de
João Palma-Ferreira, safra 1989,
acaba de ganhar outra dupla de
versões, ambas devidamente engavetadas.
Professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Bernardina Pinheiro, que passará
o dia 16 de junho em Dublin, escreveu o último "sims" (plural de
sim), com o qual Joyce termina a
jornada de Bloom, agora.
Dona de uma versão publicada
de "Retrato do Artista Quando Jovem" (Arx), primeiro romance de
Joyce, a professora de 82 anos começou a sua tradução de "Ulisses" em 1998 e acabou só no recente abril.
Embora tenha tido ofertas de algumas editoras, empacou onde
muitos dos projetos joyceanos
dão com os burros n'água: o sobrinho-neto de Joyce, Stephen,
controlador dos direitos autorais
de sua obra e chamado a quatro
cantos de "mercenário".
Entre os vetos que o descendente direto está tentando levar a cabo está o de uma ambiciosa versão cinematográfica de "Ulisses",
o filme "Bloom", que o diretor
Sean Walsh levou dez anos para
produzir, foi concluído no ano
passado e tem sempre suas exibições (inclusive uma que estava
prevista para São Paulo) embargadas.
Conhecedor da fama do parente
joyceano, outro tradutor de "Ulisses", Caetano Waldrigues Galindo, de 31 anos, mantém todo o seu
trabalho trancafiado em Curitiba,
onde vive e leciona.
Galindo, que já publicou traduções do romeno e que acaba de ter
sua versão de "No Bosque da Noite", de Djuna Barnes, publicada
pela editora Códex, diz que deve
terminar a sua versão de "Ulisses"
no próprio dia 16 de junho. Até
ontem, segundo ele, faltavam
duas páginas.
O trabalho levou dois anos e começou graças aos problemas que
ele encontrou na edição disponível no Brasil, a do homem-dicionário Houaiss. Galindo preparava
uma tese de doutorado sobre a
"representação das vozes no
"Ulisses'", ou "das técnicas utilizadas por Joyce para obter um romance que parece levar ao extremo a tendência de abrir espaço à
multiplicidade e à diversidade de
vozes autônomas".
Na visão de Galindo, "é como se
o "Ulisses" encenasse uma morte
progressiva (ao longo do dia e dos
capítulos) do narrador estável e
confiável que Balzac e Zola terminaram de construir e que Flaubert
começou a implodir".
Ele fez sua tradução para "fornecer um corpus de análise e para
citações" para sua tese, que deverá ser defendida em 2006. E também para "propiciar a mim uma
leitura do livro que nenhum outro
tipo de dedicação gera: traduzir é
a "leitura mais amorosa'".
O tradutor curitibano diz que
suas dificuldades com a versão de
Houaiss não diminuem o trabalho pioneiro dele, sobretudo por
ter sido o trabalho feito antes da
edição crítica de "Ulisses" preparada por Hans Walter Gabler, de
1984, que dizem ter corrigido
mais de 5.000 erros do original.
"Implico com uma coisa só, que é
exatamente o que impossibilita o
uso do texto para a minha tese. Ele
tende a achatar a diversidade de
Joyce. É mais elitista, mais monológico, mais erudito, menos oral."
Nessa linhagem seguiu também
uma nova tradução francesa, de
Jacques Aubert. Para sorte dos
franceses, a versão da editora Gallimard conseguiu o carimbo do
sobrinho de Joyce. Lá, essa parte
da festa será visível.
(CEM)
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