São Paulo, sábado, 12 de junho de 2004

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Anão gnóstico conta sua versão sobre o pontificado de Leão 10º

ALEXANDRA MORAES
DA REDAÇÃO

O título de "Memórias de um Anão Gnóstico" por si só talvez já valesse o livro; um anão gnóstico deve ter histórias para contar.
De fato, o personagem do livro de David Madsen é cheio de "causos". Lançada em 95 na Inglaterra e aportando agora no Brasil, a obra é o diário de Peppe, anão, gnóstico, corcunda e braço direito do papa Leão 10º, para quem lia santo Agostinho enquanto Sua Santidade recebia ungüentos no traseiro por conta de suas exageradas atividades sexuais, na cena que abre a ficção histórica.
Cativante por seu desfile de bizarrices emolduradas pelo alto renascimento, a obra não mostra um suposto avesso apenas do papa. Leonardo da Vinci e Rafael, por exemplo, ganham personalidades peculiaríssimas nas tintas jocosas de Madsen. "Romancistas escrevem ficção, não história", justifica-se o autor.
"Como romancista, tomei liberdades históricas: não com os fatos, mas com a interpretação dos personagens. Escrevi sobre Da Vinci e Rafael da maneira que eu queria retratá-los, não como eles realmente podem ter sido. Leonardo da Vinci aparece como um velho desagradável, obcecado por partes do corpo humano e experimentos repulsivos, mas esse Leonardo foi criação minha", advertiu Madsen, em entrevista à Folha. "Da mesma maneira, não sei se Leão 10º nutria sentimentos eróticos por Rafael, e até duvido muito disso, mas queria que meu Leão tivesse tais sentimentos."
O alto grau de escatologia que permeia o livro ilustra com traços de caricatura o universo do pontificado de Leão 10º (1513-1521), autor da tabela de preços de indulgências para a construção da basílica de são Pedro, em Roma, um dos estopins para a Reforma de Lutero, excomungado por Leão.
A escolha do anão que acreditava nos ensinamentos da filosofia gnóstica também não foi à toa. "Toda heresia, incluindo o gnosticismo, é o "lado obscuro" da igreja, porque é o que é reprimido, negado e jogado nas sombras. Pareceu-me que a deformidade de Peppe iria fazê-lo mais suscetível ao ensinamento gnóstico; os mais afeitos a aceitar a crença gnóstica de que este mundo é o inferno são aqueles que sofrem mais. E Peppe com certeza sofria."
David Madsen, aliás, é um pseudônimo, mas o autor guarda semelhanças com Christopher Harris, autor de ficções históricas como "Theodore" e "Memoirs of a Bizantine Eunuch" (Memórias de um Eunuco Bizantino). "Fiquei surpreso quando saiu "Eunuco Bizantino", mas superei meu espanto me lembrando de que a imitação é a forma mais sincera de lisonja", diz. "Mas não sou Christopher Harris. Conheço-o muito bem e admiro seu trabalho, mas fico feliz em dizer que não somos a mesma pessoa. A única pessoa mais feliz do que eu com isso deve ser sua bela mulher", brinca.


MEMÓRIAS DE UM ANÃO GNÓSTICO.
Autor: David Madsen. Tradutor: Marcos Santarrita. Editora: Imago. Quanto: R$ 48 (296 págs.).



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