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Anão gnóstico conta sua versão sobre o pontificado de Leão 10º
ALEXANDRA MORAES
DA REDAÇÃO
O título de "Memórias de um
Anão Gnóstico" por si só talvez já
valesse o livro; um anão gnóstico
deve ter histórias para contar.
De fato, o personagem do livro
de David Madsen é cheio de "causos". Lançada em 95 na Inglaterra
e aportando agora no Brasil, a
obra é o diário de Peppe, anão,
gnóstico, corcunda e braço direito
do papa Leão 10º, para quem lia
santo Agostinho enquanto Sua
Santidade recebia ungüentos no
traseiro por conta de suas exageradas atividades sexuais, na cena
que abre a ficção histórica.
Cativante por seu desfile de bizarrices emolduradas pelo alto renascimento, a obra não mostra
um suposto avesso apenas do papa. Leonardo da Vinci e Rafael,
por exemplo, ganham personalidades peculiaríssimas nas tintas
jocosas de Madsen. "Romancistas
escrevem ficção, não história",
justifica-se o autor.
"Como romancista, tomei liberdades históricas: não com os fatos, mas com a interpretação dos
personagens. Escrevi sobre Da
Vinci e Rafael da maneira que eu
queria retratá-los, não como eles
realmente podem ter sido. Leonardo da Vinci aparece como um
velho desagradável, obcecado por
partes do corpo humano e experimentos repulsivos, mas esse Leonardo foi criação minha", advertiu Madsen, em entrevista à Folha. "Da mesma maneira, não sei
se Leão 10º nutria sentimentos
eróticos por Rafael, e até duvido
muito disso, mas queria que meu
Leão tivesse tais sentimentos."
O alto grau de escatologia que
permeia o livro ilustra com traços
de caricatura o universo do pontificado de Leão 10º (1513-1521), autor da tabela de preços de indulgências para a construção da basílica de são Pedro, em Roma, um
dos estopins para a Reforma de
Lutero, excomungado por Leão.
A escolha do anão que acreditava nos ensinamentos da filosofia
gnóstica também não foi à toa.
"Toda heresia, incluindo o gnosticismo, é o "lado obscuro" da igreja,
porque é o que é reprimido, negado e jogado nas sombras. Pareceu-me que a deformidade de
Peppe iria fazê-lo mais suscetível
ao ensinamento gnóstico; os mais
afeitos a aceitar a crença gnóstica
de que este mundo é o inferno são
aqueles que sofrem mais. E Peppe
com certeza sofria."
David Madsen, aliás, é um pseudônimo, mas o autor guarda semelhanças com Christopher Harris, autor de ficções históricas como "Theodore" e "Memoirs of a
Bizantine Eunuch" (Memórias de
um Eunuco Bizantino). "Fiquei
surpreso quando saiu "Eunuco Bizantino", mas superei meu espanto me lembrando de que a imitação é a forma mais sincera de lisonja", diz. "Mas não sou Christopher Harris. Conheço-o muito
bem e admiro seu trabalho, mas
fico feliz em dizer que não somos
a mesma pessoa. A única pessoa
mais feliz do que eu com isso deve
ser sua bela mulher", brinca.
MEMÓRIAS DE UM ANÃO GNÓSTICO.
Autor: David Madsen. Tradutor: Marcos
Santarrita. Editora: Imago. Quanto: R$ 48
(296 págs.).
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