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NELSON ASCHER
Trinta anos depois
Três décadas, três
decênios ou seis lustros atrás, publiquei, pela primeira vez, um artigo
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Há 30 anos (três décadas? três
decênios, seis lustros? não,
sinônimo nenhum maquia,
misericordioso, a cronologia nua e
crua) publiquei, pela primeira vez,
um artigo. Mal havia entrado (ou entrado mal) na universidade e, convertidos em ameaçadores veteranos, antigos colegas de escola resolveram me convocar para encher uma página em branco do jornal do
Centro Acadêmico. Todos, então,
queriam falar sobre política, enquanto eu concordara em dar à publicação um ar mais sério (ou, pelo
menos, um aspecto mais variado)
com alguma amenidade literária.
Embora não recorde como era o
texto (nem o vi mais), lembro que a
tarefa não me parecia demasiado
penosa. Tratava-se apenas de compor algo similar a uma redação (algo,
aliás, que, recém-introduzido no
vestibular, baixara minha média final, e isto não por ter sido uma composição ousada, de vanguarda, além
da compreensão dos examinadores,
mas porque era ruim mesmo). Podendo escolher o tema, optei pelo
meu escritor favorito: Jorge Luis
Borges.
Eu descobrira acidentalmente o
argentino três anos antes quando,
ao acampar com amigos, um levara
consigo o último volume (número
50) de uma coleção de clássicos da literatura universal que os pais dele
haviam adquirido.
Abrindo a caixa às pressas, ele pegou o livro de cima: "Ficções". Após
terminar os meus, ataquei avidamente os alheios. Lendo Borges na
adolescência, sem me preparar por
meio do estudo dos estruturalistas
franceses, dos mais avançados críticos e mais profundos hermeneutas,
não me ocorreu notar que estava
diante de um monstro sagrado, considerado complexíssimo e impenetrável. Li-o e me diverti. Inocentemente.
Em seguida, parti em busca de
suas demais obras e, como a maioria
não fora traduzida para o português,
comprei-as em espanhol e inglês,
línguas que exigiam e também recompensavam meu esforço suplementar. Tampouco tomara conhecimento de que o autor andava envolvido em polêmicas políticas, e nada em seus contos o indicava.
Demorou para que eu entendesse
que, em tempos politizados como
aqueles, escrever apoliticamente
era, por definição, criminosamente
"alienado".
Bom, lá fui eu, disposto a convidar
meus eventuais milhares de leitores
aos prazeres oferecido pelo escritor.
Até onde chega minha memória, enfatizei-os apontando (não nessas palavras) tanto o caráter lúdico de suas
narrativas quanto a inventividade
que um cego era capaz de mostrar,
malgrado vivesse dentro de sua biblioteca, cercado, sobretudo, pela
memória de tomos previamente lidos. Foi o que bastou.
Nem sequer tive tempo de desfrutar a satisfação de examinar minhas
mal-traçadas devidamente compostas (com meus erros e os da revisão)
numa página impressa, satisfação
esta que, antes de aparecer o processador de texto, estava reservada para poucos.
Pois, há seis lustros (três decênios
etc.), isso era tão raro, tão pouco
acessível a qualquer mortal, quanto
para um não-artista seria, quando
inexistiam filmadoras digitais baratas, ver-se na telinha ou na telona. O
jornal acabara de sair do forno e
meus colegas (militantes, informados e organizados) já me olhavam
obliquamente, de longe, como se eu
fosse radiativo.
A seus olhos, independentemente
de minhas posições de esquerda (como as de quase todo mundo num
ambiente e idade semelhantes), eu
me tornara suspeito, perigoso,
quem sabe um agente do "lado escuro da força". E, não obstante outros,
generosos e compreensivos, explicarem-me pacientemente que Borges recebera uma medalha qualquer
do ditador chileno e coisa e tal, que
um intelectual não podia se dar ao
luxo de ser neutro ou de se ausentar
da batalha final pela libertação da
humanidade, pela redenção do ser
humano, pela anistia ampla, geral e
irrestrita, por salários mais altos para os faxineiros do Centro Acadêmico e pela distribuição gratuita de jujuba para todos, eu, ainda assim,
continuava achando excelentes os
seus contos.
De minha parte, persuadi-los a
deixar às vezes de lado ou relativizar
um pouco seu "compromisso com a
revolução" foi um exercício igualmente malsucedido. E, convenhamos, com tantos títulos na fila de espera, qualquer desculpa para não ler
alguns era boa. Minha impressão, 30
anos (três décadas etc.) mais tarde e
inumeráveis (por preguiça de contá-los) artigos depois, é a de que, desde
então, nada de significativo se alterou. Com sorte, no entanto, posso
estar enganado.
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