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NINA HORTA
Assunto para cadernos inteiros
O que aconteceria na fila
do açougue se estivessem todos nus, só com o corpinho
que Deus nos deu?
HÁ ALGUM tempo, com a nova
diagramação do jornal, perdi espaço, que antes era variável. Acostumada há 20 anos com
o número anterior de toques, teimosa como uma mula, não achei mais o
tom, só por sorte, e continuo num
trabalho de Sísifo a tentar espremer
a crônica antiga no tamanho atual.
Acontece que o resultado não me
agrada nada, arranco pedaços (aliás,
um ótimo exercício), mas caem as
anedotas mais interessantes em
prol da informação nua e crua.
Não posso fazer uma novelinha,
por exemplo, escrevendo sobre o
mesmo assunto durante um mês.
Até posso, mas em cada nova crônica teria que resumir as anteriores
para o leitor não tão fiel.
Por exemplo, no caso da crônica
das baleias, ou melhor na menção ao
livro "Moby Dick", que deu tanto pano para manga, mandei encomendar uns 15 volumes na Amazon sobre mulheres de pescadores de baleia, sua vida em terra, sua vida nos
mares (pois é, algumas iam junto!).
Enfim, uma riqueza de assunto entalada no meu pescoço.
E com os livros ainda fechados, na
cabeceira, já tenho que mudar para
"As possibilidades da ervilha torta",
deixando para trás aquele rio de informações inúteis e interessantes e
de bom tamanho, como soem ser os
assuntos de baleias em Nantucket
no século atrasado.
Sem contar que, ao ficarmos mais
velhos no mesmo assunto, vamos
nos tornando mais sabidos e mais
sérios, o que pode conduzir à
chatice absoluta.
Os amigos me sugerem um blog
desentupidor de informações. Não
me agrada essa idéia trabalhosa de
aproveitamento de sobras. O que
vou fazer, com a ajuda do leitor tão
amigo, é não forçar a barra dos
assuntos, tentando que caibam onde
não cabem. Vou tentar falar bonito
sobre o nada, ou quase nada.
Tudo isso não é culpa do jornal, é
culpa minha, da minha prolixidade
nada educada.
Na semana passada, por exemplo,
estive na conferência sobre crítica e
críticos gastronômicos. Comecei a
escrever e, quando vi, tinha
ultrapassado 8.000 caracteres dos
meus 3.600 permitidos. E ainda
faltava tudo. É assunto para um
caderno inteiro!
O que deveria ter feito em vez de
condensar toda a fala do homem?
Comentar as reações dos assistentes
(que caberiam num dedal?), ou somente descrever a jaqueta de cobra-onça do crítico basco, seu audacioso
sapato Prada tricolor dégradé?
Daí só me perguntaria quão anônimo pode ser um crítico vestido
nesta fatiota. E, talvez, imaginar um
garçom fingindo pegar um guardanapo no chão para observar os
célebres sapatos que confirmariam
serem aqueles os pés do independente e afamado criador e destruidor de reputações. Ainda ali, ele, o
garçom, faria um sinal para o
cozinheiro, que largaria absolutamente tudo para impressionar o
visitante, servindo-lhe o que de melhor havia no restaurante, enganando o crítico, que, por sua vez, nos
enganaria, dando os pontos máximos ao safado mestre-cuca.
E, além de tudo, a crônica, como
gênero, não se propõe a ser séria e
relatar fatos. Pode enveredar para o
humor de Cortázar e inventar um
susto do garçom, que "sottomesa" vê
os pés do crítico, sempre em Prada,
mas num salto 15 feminino de fazer
inveja a Carrie com seus Manolo
Blahnik e uma meia três-quartos
segura por liga.
O que poderia nos levar de novo à
importância da roupa na gastronomia. Muitas vezes me interrogo o
que aconteceria na fila do açougue
se estivessem todos nus, somente
com o corpinho que Deus nos deu.
Quem receberia a picanha mais macia? A melhor parte do boi? Os bifes
de primeira? O sorriso mais servil?
Não, não cabe, fica para outra vez.
Hoje só as justificativas e o pedido
de perdão pelas últimas, condensadíssimas, matérias.
ninahorta@uol.com.br
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