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Antônio Torres dosa
fluência e linearidade
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
A obra de Antônio Torres
-autor do
marcante "Essa
Terra" (1976)-
já foi definida
como literatura
fundada em
uma única e poderosa obsessão.
Obsessiva é a oposição entre a
realidade social do lugarejo nordestino (da terra natal, da família)
e o destino do filho que parte para
a tragédia da modernização sulista
e volta para uma terra arrasada
mas sempre terra-raiz de tudo.
Vista sob esse ângulo, toda a
obra de Torres é uma espécie de
"balada da infância perdida", como diz o próprio título de um livro
seu, de 1986. Balada cantada pelo
mesmo protagonista-narrador de
vários de seus textos, o autobiográfico Totonhim de "Essa Terra"
ou o simples A de "Um Cão Uivando para a Lua" (1972).
Depois de dez anos sem publicar
ficção -seu livro mais recente,
"O Centro das Nossas Desatenções", lançado no ano passado, é
uma espécie de guia sobre a decadência do centro do Rio de Janeiro-, o baiano Antônio Torres, 57,
traz a público "O Cachorro e o Lobo", uma "continuação" não declarada de seu melhor romance,
"Essa Terra".
Na última página de "Essa Terra", o protagonista Totonhim diz
ao pai que vai embora da pequena
Junco (Bahia) para viver em São
Paulo. O romance é a história da
volta e do suicídio do irmão de Totonhim, Nelo, que também partira
para São Paulo.
Na primeira página de "O Cachorro e o Lobo", passados 20
anos, Totonhim, prepara-se para
voltar à terra natal e comemorar o
aniversário de 80 anos de seu pai.
Os personagens são os mesmos:
Nelo, o doido Alcino, o pai lobo
solitário que preserva a terra como
quem preserva a vida -o simbolismo do lobo está ligado ao ancestral mítico, à fertilidade, mas também à força exuberante que se esvai na selvageria cega (o pai bebe).
Personagens ou vozes que chamam Totonhim de volta para a
terra natal: "Ainda não sei de onde vêm as vozes que me chamam.
Se do fundo do tempo, das profundezas dos meus sonhos (...) ou se
estava sendo chamado da janela,
na porta do quarto, ao pé da cama,
aqui e agora".
Linearidade
Na narrativa do protagonista
Totonhim, sua viagem de volta
confunde-se com a chegada à casa
do pai. Espaços e tempos interpenetram-se e são às vezes sonho, às
vezes realidade.
Mas o que poderia soar confuso,
vira fluência e quase linearidade
nesse texto que se vale de uma mistura bem-dosada de linguagem
meio coloquial, meio regional.
Toda a rememoração do narrador-protagonista mescla também
situações da realidade rural e paterna de ontem com referências ao
universo modernizado em que se
formou Totonhim, um intelectual
de classe média.
Por vezes as referências soam
deslocadas ou pouco exploradas, e
empobrecem o texto (referências à
Internet, por exemplo, e aos
sem-terra, ou citações de poemas).
Mas isso não prejudica a obra de
Torres, que sabe (principalmente
quando vista em seu conjunto) fazer da exploração de seus temas
recorrentes um raro momento de
despretensão e qualidade literária.
A literatura tocante de Antônio
Torres ultrapassa o prosaico e o
pitoresco amadiano ou ubaldiano.
De certo modo, e para sorte de
seus leitores, Torres é o menos
baiano dos escritores baianos.
Sua obra, como bem observou
Lígia Chiappini Moraes Leite em
estudo sobre ela, vai além: "não se
trata somente da representação da
miséria do Junco ou do Sertão Brasileiro, mas sobretudo da (...) sondagem de uma condição social,
através do mergulho no caso individual que acaba nos conduzindo
às origens mais gerais da culpa".
Livro: O Cachorro e o Lobo
Autor: Antônio Torres
Lançamento: Record
Quanto: R$ 18 (219 págs.)
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