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Bergman retoma memórias em 'Confissões'
AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas
A ausência em Cannes-97 que
não engane ninguém: aposentadoria é uma palavra que ainda não faz
parte do vocabulário de Ingmar
Bergman, cujo livro "Confissões"
acaba de chegar ao Brasil.
Aos 79 anos, não há nenhuma
surpresa em que o diretor de
"Morangos Silvestres" se conceda
não mais comandar os desgastantes sets de filmagem nem tampouco participar de grandes celebrações, como a realizada em maio último pelo festival ao conceder-lhe
a Palma das Palmas de Ouro.
Desde a despedida do cinema
com "Fanny e Alexander" (82),
Bergman prefere reservar suas
energias para a escrita (roteiros e
livros), para os palcos (o Teatro
Real de Estocolmo) e -excepcionalmente- para especiais na TV
sueca -como o telefilme "Larmar Och Gor Sig Till" (Na Presença de um Palhaço), que acaba de
finalizar e tem estréia marcada para meados do segundo semestre.
O memorialismo ocupa boa parte de sua atividade artística recente. "Lanterna Mágica" e "Imagens" são volumes autobiográficos de rara crueza.
Bergman foi além: se "Fanny e
Alexander" ainda lançava mão de
uma fina camada ficcional para
lembrar sua infância, seus roteiros
para "As Melhores Intenções"
(dirigido por Bille August) e
"Crianças de Domingo" (filmado
por seu filho, Daniel) devassavam
a família Bergman sem pudor.
"Confissões", cuja versão romanceada ganha agora edição brasileira, dá sequência à série. Como
não poderia deixar de ser, a versão
fílmica já estreou no circuito internacional, tendo sido exibida em
Cannes-97, sob o título de "Confissões Privadas".
Assumindo a direção, a ex-musa
do cineasta, Liv Ullmann, supera
suas duas experiências anteriores
atrás da câmera ("Sophie" e
"Kristin - Amor e Perdição").
"As Melhores Intenções" apresentou a turbulenta relação que
acabou em casamento entre o candidato a pastor luterano Henrik e a
independente burguesa Anna. A
narrativa parava em 1918, às vésperas do nascimento de Ingmar.
"Crianças de Domingo", passado nos anos 20, nos trouxe as lembranças das férias de verão do Ingmar moleque, apelidado de Pu.
"Confissões" nos traz agora a visão de Anna, centrada no período
entre 1925 e 1934, mas com uma
breve conclusão que a flagra ainda
garota, em 1908. Tudo gira em torno de um breve caso extraconjugal
mantido entre ela e Tomas, um homem mais novo, ainda nos primeiros anos de casamento.
A narrativa se estrutura em seis
conversas íntimas mantidas por
Anna com várias pessoas. As descrições de cena concentram todas
as luzes em torno dos diálogos.
Anna se expõe a Henrik, à mãe,
que jamais aprovou a união, e a
Tomas, paixão transitória.
Os encontros principais são,
contudo, mantidos entre Anna e o
velho tio Jacob, seu pastor e, na
falta de melhor palavra, confessor
(na Igreja Luterana o equivalente
às confissões católicas são os
"aconselhamentos", realizados
face a face e à luz do dia).
Para Bergman, o exame da aventura de Anna purga um drama familiar, reconstrói mais uma vez as
cenas de um casamento e, sobretudo, catalisa uma leitura ambiguamente religiosa da existência.
O Bergman de "Confissões" parece manter frente ao luteranismo
o mesmo tipo de devoção cética
que marcou a relação madura de
Graham Greene ("Monsenhor
Quixote") com o catolicismo.
Lê-se o livro com admiração e
desconforto. Arrebatamento mesmo, só no filme.
Pernilla August e Samuel Froeler
estão ainda melhores que em "As
Melhores Intenções", e o veterano
Max von Sydow ("O Sétimo Selo") imanta a tela no papel de tio
Jacob. Para ir mais longe na devassa das almas, a obra de Bergman
parece exigir a concretude dos corpos -ou, ao menos, o poder hipnótico de seus espectros.
Livro: Confissões
Autor: Ingmar Bergman
Lançamento: Nórdica
Quanto: R$ 17 (176 págs.)
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