São Paulo, sábado, 12 de julho de 1997.



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Bergman retoma memórias em 'Confissões'

AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas

A ausência em Cannes-97 que não engane ninguém: aposentadoria é uma palavra que ainda não faz parte do vocabulário de Ingmar Bergman, cujo livro "Confissões" acaba de chegar ao Brasil.
Aos 79 anos, não há nenhuma surpresa em que o diretor de "Morangos Silvestres" se conceda não mais comandar os desgastantes sets de filmagem nem tampouco participar de grandes celebrações, como a realizada em maio último pelo festival ao conceder-lhe a Palma das Palmas de Ouro.
Desde a despedida do cinema com "Fanny e Alexander" (82), Bergman prefere reservar suas energias para a escrita (roteiros e livros), para os palcos (o Teatro Real de Estocolmo) e -excepcionalmente- para especiais na TV sueca -como o telefilme "Larmar Och Gor Sig Till" (Na Presença de um Palhaço), que acaba de finalizar e tem estréia marcada para meados do segundo semestre.
O memorialismo ocupa boa parte de sua atividade artística recente. "Lanterna Mágica" e "Imagens" são volumes autobiográficos de rara crueza.
Bergman foi além: se "Fanny e Alexander" ainda lançava mão de uma fina camada ficcional para lembrar sua infância, seus roteiros para "As Melhores Intenções" (dirigido por Bille August) e "Crianças de Domingo" (filmado por seu filho, Daniel) devassavam a família Bergman sem pudor.
"Confissões", cuja versão romanceada ganha agora edição brasileira, dá sequência à série. Como não poderia deixar de ser, a versão fílmica já estreou no circuito internacional, tendo sido exibida em Cannes-97, sob o título de "Confissões Privadas".
Assumindo a direção, a ex-musa do cineasta, Liv Ullmann, supera suas duas experiências anteriores atrás da câmera ("Sophie" e "Kristin - Amor e Perdição").
"As Melhores Intenções" apresentou a turbulenta relação que acabou em casamento entre o candidato a pastor luterano Henrik e a independente burguesa Anna. A narrativa parava em 1918, às vésperas do nascimento de Ingmar.
"Crianças de Domingo", passado nos anos 20, nos trouxe as lembranças das férias de verão do Ingmar moleque, apelidado de Pu.
"Confissões" nos traz agora a visão de Anna, centrada no período entre 1925 e 1934, mas com uma breve conclusão que a flagra ainda garota, em 1908. Tudo gira em torno de um breve caso extraconjugal mantido entre ela e Tomas, um homem mais novo, ainda nos primeiros anos de casamento.
A narrativa se estrutura em seis conversas íntimas mantidas por Anna com várias pessoas. As descrições de cena concentram todas as luzes em torno dos diálogos. Anna se expõe a Henrik, à mãe, que jamais aprovou a união, e a Tomas, paixão transitória.
Os encontros principais são, contudo, mantidos entre Anna e o velho tio Jacob, seu pastor e, na falta de melhor palavra, confessor (na Igreja Luterana o equivalente às confissões católicas são os "aconselhamentos", realizados face a face e à luz do dia).
Para Bergman, o exame da aventura de Anna purga um drama familiar, reconstrói mais uma vez as cenas de um casamento e, sobretudo, catalisa uma leitura ambiguamente religiosa da existência.
O Bergman de "Confissões" parece manter frente ao luteranismo o mesmo tipo de devoção cética que marcou a relação madura de Graham Greene ("Monsenhor Quixote") com o catolicismo.
Lê-se o livro com admiração e desconforto. Arrebatamento mesmo, só no filme.
Pernilla August e Samuel Froeler estão ainda melhores que em "As Melhores Intenções", e o veterano Max von Sydow ("O Sétimo Selo") imanta a tela no papel de tio Jacob. Para ir mais longe na devassa das almas, a obra de Bergman parece exigir a concretude dos corpos -ou, ao menos, o poder hipnótico de seus espectros.

Livro: Confissões Autor: Ingmar Bergman Lançamento: Nórdica Quanto: R$ 17 (176 págs.)



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