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"TENSÕES CONTEMPORÂNEAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO"
Economista Gilberto Dupas nega seus próprios prognósticos
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Livros recentes de economistas com frequência são escritos em jargão técnico, tratam de temas de grande especifidade e
parecem ter como objetivo principal marcar posição em debates
restritos a reduzidos círculos de
especialistas.
Não é o caso de "Tensões Contemporâneas entre o Público e o
Privado", de Gilberto Dupas.
Apesar de ser reconhecido entre
seus pares como voz sempre respeitada, Dupas difere da tribo em
vários aspectos. Por exemplo,
com exceção de dois postos de
primeiro escalão no governo de
Franco Montoro em São Paulo,
tem recusado a tentação de ocupar posições de relevo na esfera
pública.
E, mais significativamente, alargou o universo de suas preocupações intelectuais para ir muito
além da economia e, deste modo,
mantém viva no Brasil a tradição
de economistas que se ocuparam
em entender e explicar os grandes
dilemas universais a partir de um
referencial teórico das relações
materiais, em vez de cuidar só de
fenômenos de conjuntura ou detalhes particulares da produção,
distribuição e consumo de bens
de que trata a sua ciência.
Embora esse livro seja relativamente curto (134 páginas), pode
ser classificado como continuação de três antecedentes ("Economia Global e Exclusão Social",
"Ética e Poder na Sociedade da Informação" e "Hegemonia, Estado
e Governabilidade"). Juntos, formam um esforço muito abrangente de explicação para o que
vem ocorrendo no mundo desde
a queda do Muro de Berlim e a
consequente adoção universal de
princípios econômicos, políticos
e mesmo filosóficos a que se costuma chamar de "globalização".
Depois de ter tratado de outros
efeitos desse processo nos trabalhos anteriores, Dupas debruça-se
agora especificamente sobre como ele afeta as fronteiras entre as
esferas pública e privada, tornadas muito menos claras e definidas do que foram no passado porque, como explica Francisco de
Oliveira, "a metamorfose constante [entre o público e o privado]
constituiu-se na nova forma de
reprodução do capitalismo".
Dupas preocupa-se, justificadamente, com o destino da individualidade e da cidadania nas sociedades contemporâneas. Mostra como a diversidade, em todos
os sentidos, vem sendo ameaçada
por um sistema de mercado que
contraditoriamente usa discurso
(aceito pela maioria) de defesa da
liberdade de opções. Demonstra
como, aos poucos, o mundo público, que com todas as suas contradições foi um agente de mudança e progresso na história, tem
sido ocupado em quase todas as
atividades pelo privado.
Suas reflexões resultam em teses provavelmente pessimistas
demais. Às vezes, as generalizações negativas parecem mais definitivas do que a realidade, pelo
menos a presente, poderia autorizar. Às grandes corporações, talvez sejam atribuídos poderes ainda maiores do que já têm. O futuro é descrito quase como uma
sentença irreversível de morte para a esperança. O cidadão desapareceu, substituído pelo consumidor.
Esse tom um pouco apocalíptico é útil como sinal de alerta. Mas
a própria atividade de Dupas como agitador cultural e o êxito de
seus livros, densos e sofisticados,
num país como o Brasil mostram
que ainda há razões para crer em
alternativas menos sinistras do
que as indicadas em alguns momentos do livro.
Pode ser, no entanto, que esteja
certo Alain Touraine, autor da
quarta capa de "Tensões Contemporâneas entre o Público e o Privado", ao afirmar: "Se alguém vir
nesse livro uma visão radicalmente pessimista do mundo contemporâneo é porque o leu depressa
demais. Embora descreva, dramaticamente o desaparecimento
dos grandes movimentos sociais e
do espaço público e veja o planeta
cada vez mais dominado pela hegemonia política e econômica dos
EUA... vejo [no livro] a busca, a
descoberta e a análise de novos
atores, de novas formas de criação
cultural e de novos conflitos sociais capazes de substituir as esperanças e os relatos de outrora".
Numa certa medida, o trabalho de
Dupas é a negação de seus próprios prognósticos.
Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
Tensões Contemporâneas entre o Público e o Privado
Autor: Gilberto Dupas
Editora: Paz e Terra
Quanto: R$ 18 (134 págs.)
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