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São Paulo, sábado, 12 de julho de 2003

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"TENSÕES CONTEMPORÂNEAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO"

Economista Gilberto Dupas nega seus próprios prognósticos

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Livros recentes de economistas com frequência são escritos em jargão técnico, tratam de temas de grande especifidade e parecem ter como objetivo principal marcar posição em debates restritos a reduzidos círculos de especialistas.
Não é o caso de "Tensões Contemporâneas entre o Público e o Privado", de Gilberto Dupas. Apesar de ser reconhecido entre seus pares como voz sempre respeitada, Dupas difere da tribo em vários aspectos. Por exemplo, com exceção de dois postos de primeiro escalão no governo de Franco Montoro em São Paulo, tem recusado a tentação de ocupar posições de relevo na esfera pública.
E, mais significativamente, alargou o universo de suas preocupações intelectuais para ir muito além da economia e, deste modo, mantém viva no Brasil a tradição de economistas que se ocuparam em entender e explicar os grandes dilemas universais a partir de um referencial teórico das relações materiais, em vez de cuidar só de fenômenos de conjuntura ou detalhes particulares da produção, distribuição e consumo de bens de que trata a sua ciência.
Embora esse livro seja relativamente curto (134 páginas), pode ser classificado como continuação de três antecedentes ("Economia Global e Exclusão Social", "Ética e Poder na Sociedade da Informação" e "Hegemonia, Estado e Governabilidade"). Juntos, formam um esforço muito abrangente de explicação para o que vem ocorrendo no mundo desde a queda do Muro de Berlim e a consequente adoção universal de princípios econômicos, políticos e mesmo filosóficos a que se costuma chamar de "globalização".
Depois de ter tratado de outros efeitos desse processo nos trabalhos anteriores, Dupas debruça-se agora especificamente sobre como ele afeta as fronteiras entre as esferas pública e privada, tornadas muito menos claras e definidas do que foram no passado porque, como explica Francisco de Oliveira, "a metamorfose constante [entre o público e o privado] constituiu-se na nova forma de reprodução do capitalismo".
Dupas preocupa-se, justificadamente, com o destino da individualidade e da cidadania nas sociedades contemporâneas. Mostra como a diversidade, em todos os sentidos, vem sendo ameaçada por um sistema de mercado que contraditoriamente usa discurso (aceito pela maioria) de defesa da liberdade de opções. Demonstra como, aos poucos, o mundo público, que com todas as suas contradições foi um agente de mudança e progresso na história, tem sido ocupado em quase todas as atividades pelo privado.
Suas reflexões resultam em teses provavelmente pessimistas demais. Às vezes, as generalizações negativas parecem mais definitivas do que a realidade, pelo menos a presente, poderia autorizar. Às grandes corporações, talvez sejam atribuídos poderes ainda maiores do que já têm. O futuro é descrito quase como uma sentença irreversível de morte para a esperança. O cidadão desapareceu, substituído pelo consumidor.
Esse tom um pouco apocalíptico é útil como sinal de alerta. Mas a própria atividade de Dupas como agitador cultural e o êxito de seus livros, densos e sofisticados, num país como o Brasil mostram que ainda há razões para crer em alternativas menos sinistras do que as indicadas em alguns momentos do livro.
Pode ser, no entanto, que esteja certo Alain Touraine, autor da quarta capa de "Tensões Contemporâneas entre o Público e o Privado", ao afirmar: "Se alguém vir nesse livro uma visão radicalmente pessimista do mundo contemporâneo é porque o leu depressa demais. Embora descreva, dramaticamente o desaparecimento dos grandes movimentos sociais e do espaço público e veja o planeta cada vez mais dominado pela hegemonia política e econômica dos EUA... vejo [no livro] a busca, a descoberta e a análise de novos atores, de novas formas de criação cultural e de novos conflitos sociais capazes de substituir as esperanças e os relatos de outrora". Numa certa medida, o trabalho de Dupas é a negação de seus próprios prognósticos.


Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"

Tensões Contemporâneas entre o Público e o Privado   
Autor: Gilberto Dupas
Editora: Paz e Terra
Quanto: R$ 18 (134 págs.)


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