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"OS TAMBORES DA CHUVA"
Autor descreve cerco otomano a fortaleza cristã
Kadaré retrata formação da identidade albanesa
PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em pleno furor expansionista
no século 15, o Império Otomano entra nos Bálcãs e se prepara para continuar a invadir o território europeu ao alcance. A Albânia oferece firme resistência sob o comando de George Kastriota
"Skanderbeu", mas os otomanos
tentam de todas as formas se
apossar de uma fortaleza-chave: à
força, pela sede e pela doença.
Nem as tropas de elite nem os
batalhões de curdos, persas, caucasianos, calmucos, mongóis ou
as hordas de voluntários, porém,
conseguem impedir que os tambores da chuva ressoem e anunciem o fracasso da campanha.
"Os Tambores da Chuva", de Ismail Kadaré, baseia-se em fatos
históricos sobre esse cerco a uma
fortaleza cristã e fala da própria
formação da identidade albanesa.
A descrição minuciosa das tropas otomanas e dos combates enfatiza o trabalho de pesquisa de
Kadaré. O autor recorreu a escritos de cronistas turcos e se inspirou em um texto albanês de 1504,
"O Cerco de Shkodra", redigido
pelo padre Marin Barlet, que presenciou três cercos a essa cidade
ao norte da Albânia (em 1474,
1478 e 1479).
Como em uma crônica, Kadaré
introduz paulatinamente a angústia do cerco em meio ao calor, à
morte e à falta d'água. A maior
parte do romance se passa no
campo otomano, mas, por vezes,
o narrador em terceira pessoa dá
lugar a relatos em primeira pessoa
de um albanês, o que ajuda a dividir a simpatia dos leitores entre os
dois lados envolvidos no cerco.
Nascido em 1936, Kadaré viu
sua cidade natal (Gjirokastra, onde também nasceu o ditador Enver Hoxha) sofrer sucessivas ocupações, como a de italianos e alemães. Desde então, publicou diversos romances inspirados na
história ou em lendas albanesas.
Auto-exilado na França desde
1990, pouco antes da queda do comunismo em sua terra natal, Kadaré teve o perigoso privilégio de
ser um escritor renomado sob
uma ditadura como a de Hoxha
-a maior parte de sua obra literária foi escrita e publicada sob esse regime comunista.
Mais conhecido no Brasil depois da adaptação cinematográfica que Walter Salles fez de seu
"Abril Despedaçado" (levado ao
sertão brasileiro), Kadaré aborda
em "Os Tambores da Chuva" a
imposição do poder, não mais pelas vendetas, mas pelo jugo militar e pela tramas da ambição.
Além do interesse histórico, o
romance pode ser lido como uma
metáfora da agressão do Império
Soviético e do isolamento que a
Albânia conheceu após a Segunda
Guerra Mundial. Já na visão de alguns críticos albaneses, o país é
retratado como bastião do marxismo autêntico ante revisionistas
soviéticos e imperialistas.
Nesta obra, publicada originalmente em 1970 e que agora ganha
uma tradução direta do albanês, a
resistência ao controle estrangeiro é exaltada numa paisagem permeada de montanhas.
Personagens como Ugurlú Tursun paxá, o comandante-em-chefe das tropas, ou o cronista Mevla
Tcheleb se esmeram para descrever a geografia tão típica daquela
região, que ameaça o expansionismo do Império Otomano embora este se encontrasse no auge.
O paxá "nunca vira montanhas
assim. Assemelhavam-se a um
pesadelo dos piores, desses esmagadores, que não deixam você
acordar". E o cronista aperfeiçoa
o assombro: "Eram escarpas tão
altas -dizia- que nem os corvos as sobrevoavam. Só o demônio poderia escalá-las, ainda assim de cajado em punho, e a muito custo, estropiando as alpercatas".
Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Os Tambores da Chuva
Autor: Ismail Kadaré
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39,50 (328 págs.)
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