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"O CAÇADOR DE SONHOS E OUTROS CONTOS DA CRIAÇÃO"
Livro infanto-juvenil do poeta trata da origem dos seres
Ted Hughes escreve sobre a gênese divina
CRÍTICO DA FOLHA
Ted Hughes (1930-98) é mais
conhecido como poeta. Muitos o consideram o grande bardo
inglês do século 20, o que talvez
seja um exagero. Ele também é
lembrado por seu trágico casamento com Sylvia Plath. Alguns
crêem que foi o responsável pelo
suicídio da escritora, o que é
igualmente discutível. Entre o
horto de Polínia e o de Tânatos,
porém, Hughes cultivou um terreno mais discreto -o da literatura infanto-juvenil, tanto em
verso quanto em prosa.
Um bom exemplo dessa seara é
"O Caçador de Sonhos e Outros
Contos da Criação", relatos em
prosa sobre, como o título indica,
a gênese divina. O Deus de Hughes é bastante peculiar. Irônico,
temperamental, matreiro, Ele trabalha numa oficina forjando com
o barro e na fornalha todas as coisas do mundo. Deus é um artífice
não só por ser criador, mas sobretudo por ser operário do cosmo
em construção.
Seus auxiliares são os anjos, mas
também os demônios. Os primeiros elaboram a parte de dentro
das coisas. Os segundos, a de fora.
É claro que os demônios dão um
bocado de trabalho ao Mestre. O
demônio Goku moldou a cabeça
do Homem num nabo. Deus deu-lhe uma mulher, Goka, mas os
dois continuaram a aprontar com
a Criação. Em castigo, Ele os fundiu num só pequeno ovo, que entregou ao pardal. Do ovo nasceu o
cuco, que desde então põe seus
ovos em ninhos alheios.
Como esse conto, outros também descrevem a origem de animais. A criação do morcego é das
mais inventivas. O quiróptero teria surgido de uma bolota de cera
do ouvido de Deus, moldada por
um Poltergeist invisível. Temos
ainda notícia do nascimento do
ganso, da formiga, do lobo e do
cão. As especificidades físicas e
comportamentais desses seres
costumam decorrer de acidentes
de percurso, de desvios ocorridos
durante o processo de formação.
Ao contrário de uma criação serena e segura, o que vemos nessas
histórias é uma atividade instável
e laboriosa, que se faz por meio de
tentativa e erro. Artesão incansável, embora falível, Deus rejubila-se com a obra bem acabada. Mas,
mesmo quando ela não sai a contento, o processo parece justificar
o resultado, pois é durante a fatura que a magia do imponderável
atua, dando às coisas um significado novo e mais belo.
Assim o cuco não é aqui só pássaro oportunista. O relato de sua
origem sugere um simbolismo
demoníaco que transfigura a idéia
ordinária que temos do pássaro.
O Deus de Hughes é, no fundo,
um poeta, construindo um mundo com suas formas sonhadas,
produzindo novos sentidos com
seu sopro inventivo. Para Hughes,
a criação é também poema.
(MARCELO PEN)
O Caçador de Sonhos e Outros Contos da Criação ![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autor: Ted Hughes
Tradutor: Sérgio Alcides
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 24 (182 págs.)
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