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São Paulo, sábado, 12 de julho de 2003

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ANÁLISE/CAMPOS DO JORDÃO

Continuidade, dignidade: será que não faltou arrojo?

ARTHUR NESTROVSKI
CRÍTICO DA FOLHA

Comparado aos dos últimos anos, este 34º Festival de Inverno de Campos do Jordão não vai mal. Talvez esteja até um pouco melhor: a produção dos quadros estáveis da cidade de São Paulo não pára de crescer e, sendo eles a principal atração, o festival cresce também. Mas, comparado ao que já foi, ou ao que poderia ser, o mínimo que precisa ser dito é que se pode sonhar com um festival de outro porte nas mãos dessa secretaria.
Um dos propósitos declarados da organização (repetido no site do festival, entre outros) é o retorno ao caráter erudito e a ênfase no aspecto pedagógico. O objetivo será contestado, decerto, por muitos alunos e músicos que gostariam de ter uma temporada à altura da nossa música popular, do jazz, da etnomusicologia etc.. Mas é fácil de defender: um festival não precisa ser tudo para todos, e concentrar-se na música erudita pode ser um bom caminho para Campos do Jordão.
A questão, por ora, é descobrir a cara desse "novo" festival erudito. Sabe-se que a secretaria pegou o bonde andando, ou mais propriamente parado; ninguém monta um evento assim em poucos meses, e o que se fez merece aplausos, pelo simples fato de dar continuidade, com dignidade, ao evento.
Isso não diminui a frustração de quem, depois de tanto empenho e investimento, espera alguma coisa mais do que os mesmos grupos que tocam regularmente em São Paulo, por melhores que sejam. E não se trata só de interesse artístico, mas pedagógico.
Duas coisas diferentes estão em jogo. Uma é a programação de concertos. A deste ano não justifica a viagem, para quem frequenta os concertos na cidade. (Jovens vencedores de concursos internacionais de piano são uma alternativa interessante e barata; mas, convenhamos, mais barata do que interessante.) É verdade que o festival recebe grande número de alunos e ouvintes de outros lugares, menos favorecidos; mas será que isso basta como ambição?
Pergunta que nos leva à programação pedagógica, pensada no sentido mais amplo: não apenas aulas para os jovens bolsistas; mas a educação de todos nós, em Campos ou à distância. Um festival desse porte poderia ser um centro de reflexão musical, irradiando idéias para todo o país. A presença, por exemplo, de um grande compositor ou de um grande musicólogo faria muita diferença. Ou um planejamento mais orgânico dos concertos, amparado em debates e publicações.
Pergunta para a secretaria: o que o festival de 2003 deixa de mais importante para nossa música? A simples existência de uma temporada como essa já se justifica em si, sem dúvida. Nada menos do que 450 alunos terão tido boas aulas de música e assistido a bons concertos. No Brasil, isso é um prodígio. Mas da secretaria que patrocina a melhor orquestra da América Latina pode-se pedir mais do que isso, não? Pode-se pedir o melhor festival de música, para 2004.


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