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São Paulo, terça-feira, 12 de agosto de 2003

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Nasce o HOMEM

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Luciana Domschke em ensaio de 'Os Sertões - O Homem 1', do grupo Oficina Uzyna Uzona



"Gravidez artística" do Oficina divide a segunda parte de "Os Sertões" em dois espetáculos


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O grupo Oficina Uzyna Uzona depara com uma bifurcação no meio do caminho da sua releitura cênico-musical de "Os Sertões".
Depois da premiada encenação de "A Terra", em 2002, capítulo inicial do clássico de Euclydes da Cunha sobre a Guerra de Canudos (1896-97), o grupo opta por desdobrar em dois o capítulo seguinte, "O Homem".
O espetáculo musical ou peça-coral "Os Sertões - O Homem 1" estréia no teatro Oficina na próxima sexta-feira, para convidados, quando são lembrados os 94 anos da morte de Euclydes da Cunha (1866-1909). É também a véspera dos 42 anos do teatro que fica no Bixiga, em São Paulo, quando abre temporada para o público.
"O Homem 2" está previsto para novembro. Já o terceiro e último capítulo, "A Luta", virá à luz no final de 2004. Segundo o ator e diretor José Celso Martinez Corrêa, o motivo da partilha de "O Homem" é a "gravidez artística" do grupo Oficina.
"Não calculamos as dificuldades para a encenação da obra, mas também não calculamos a nossa fertilidade. É um paradoxo. A fecundidade excessiva produziu duas peças em versos, com alguns momentos euclidianos literais", afirma Zé Celso, 66.
Ele associa o momento do grupo ao da família de retirantes que, na cena da seca, apela aos céus para que "fertilize o nosso próprio flagelo". Zé Celso ilustra o esforço como um "mutirão estético". São cerca de 60 artistas, atores, músicos, técnicos, crianças, muitas crianças e adolescentes, quase metade do elenco, vindos do Projeto Bixigão e da Fundação Gol de Letra, todos na base da "rocha viva" que resiste à falta de recursos (sem patrocínio, o projeto se sustenta, sobretudo, por meio do Programa Municipal de Fomento ao Teatro em São Paulo, verba parcelada de R$ 322 mil).
Na busca de saídas, o Oficina soma parte do acervo doado pelo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, cujas roupas servirão como figurinos. Também será revisitado o baú das montagens anteriores. "Pior do que a censura militar é a censura econômica introjetada, que castra o artista", descobriu há pouco o diretor.
Na releitura do grupo, "Os Sertões - O Homem 1" começa no pré-homem, a origem cósmica do Big Bang; passa pela constituição dos povos (africanos, asiáticos, americanos); e culmina na miscigenação das raças.
Há passagens como a devoração do bispo Pero Fernandes Sardinha (1495-1556) pelos índios (que o diretor tem como cena seminal do teatro brasileiro, porque antropofágica, como pede Oswald de Andrade); e a luta do guerreiro e líder escravo Zumbi dos Palmares (1655-95).
"Não são os fortes que derrotam os fracos. São os fracos que se munem de poderes para, em nome de uma vida medíocre, combater onde têm força, onde têm autonomia e liberdade. Eu me sinto um forte. Acho os atores do Oficina fortes, os atores do teatro brasileiro fortes, tão fortes quanto os sem-terra, os sem-teto", diz.


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