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TEATRO
Diretor José Celso Martinez Corrêa segue filósofo Nietzsche no entendimento do trágico e se opõe ao drama da vida
Grupo alinha Euclydes e "Sertões" na tragédia
DA REPORTAGEM LOCAL
Em seus 42 anos de história,
completados no próximo sábado,
o teatro Oficina, no Bixiga, abrigou dramas e tragédias invariavelmente sob as perspectivas da
alegoria ou da celebração.
Foi assim em "Ham-Let" (1993),
de William Shakespeare, ou em
"As Bacantes" (1996), de Eurípides, para citar os clássicos.
No projeto "Os Sertões", cultivado há pelo menos 14 anos, José
Celso Martinez Corrêa reforça a
sua compreensão do trágico inspirada no filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), o último discípulo do filósofo Dioniso, como definia a si mesmo, referindo-se ao deus grego da fertilidade, do vinho, do teatro.
"O dizer sim à própria vida,
mesmo nos seus mais estranhos e
mais duros problemas; a vontade
de viver, que se alegra com o sacrifício dos seus tipos mais elevados; a própria inesgotabilidade
-eis o que chamo diagnóstico,
eis o que adivinhei como a ponte
para a psicologia do poeta trágico.
Não para se livrar do terror e da
compaixão, não para se purificar
de uma emoção perigosa mediante a sua descarga veemente (assim
o entendera Aristóteles), mas, para, além do terror e da compaixão,
ser ele mesmo o eterno prazer do
devir -prazer que encerra em si
também a alegria do aniquilamento", discorre Nietzsche em
"O Crepúsculo dos Ídolos ou Como se Filosofa com o Martelo"
(1888). Curiosamente, o símbolo
do grupo e do teatro Oficina é
uma bigorna.
Para Zé Celso, a natureza da vida é trágica. "Minha vida é trágica. Todos vivemos a tragédia, mas
fingimos que é drama. Se aceitássemos a tragédia, seríamos mais
corajosos. A gente vararia mais limites, criaria mais. Os gregos tinham essa sabedoria. Não se perdiam em pequenos coisas, não
perdiam tempo. Quem é trágico
aproveita a vida. O drama se poupa", afirma o diretor.
O homem adaptado, o homem
médio, conclui o encenador, não
teria a consciência trágica da vida,
mas dramática, voltada para a sua
inserção na sociedade.
Neste caso, Zé Celso cita o próprio Euclydes da Cunha (1866-1909), cuja trajetória pessoal faz
par com as tragédias gregas.
Leitor de Ésquilo, Sófocles e Eurípides, o escritor foi enredado
por uma tragédia pessoal. Enciumado pelo abandono de sua mulher, decide, como ditava a época,
cobrar a honra com o amante dela. Tombou numa troca de tiros, a
15 de agosto de 1909, no Rio.
"Ao agir como os heróis antigos
ou os valentões sertanejos, Euclydes transformou sua vida numa
ficção trágica", afirma o pesquisador euclydiano Roberto Ventura
(1957-2002).
Tal qual o personagem Hamlet,
de Shakespeare, o filho de Euclydes tentou vingar a morte do pai e
também foi assassinado.
Zé Celso lembra que Antônio
Conselheiro (1830-97), o líder espiritual e político do arraial de Canudos, também perdeu a mulher
para um outro, mas tampouco
procurou a vingança. Antes, peregrinou e arrastou consigo milhares de seguidores.
Rumo ao enfrentamento teatral
do massacre de milhares de conselheiristas e soldados na Guerra
de Canudos, cume da última parte do livro, o coletivo Oficina vai
colhendo vida. No ensaio aberto
de "O Homem", no dia de São Pedro, em junho, a atriz Anna Guilhermina, grávida, teve a bolsa
rompida no teatro e foi dar à luz
Lírio, já no hospital. O bebê é uma
das pessoas a quem o espetáculo é
dedicado. Seu cordão umbilical
está enterrado, literalmente, no
coração do Oficina.
(VS)
OS SERTÕES - O HOMEM 1. De: José
Celso Martinez Corrêa, Fernando
Coimbra, Tommy Pietra e Catherine
Hirsch. Com: grupo Oficina Uzyna Uzona.
Direção musical: Marcelo Pelegrini.
Músicos: Deko, Alex Sandro dos Santos,
Emerson Ribeiro e Otávio Ortega.
Coreografia: Maura Baiocchi e Wolfgang
Panek. Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai,
520, SP, tel. 0/xx/11/3104-0678).
Quando: estréia sex., para convidados; e
sáb., para o público; sáb. e dom., às 18h;
até 26/10. Quanto: R$ 20.
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