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São Paulo, terça-feira, 12 de agosto de 2003

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TEATRO

Diretor José Celso Martinez Corrêa segue filósofo Nietzsche no entendimento do trágico e se opõe ao drama da vida

Grupo alinha Euclydes e "Sertões" na tragédia

DA REPORTAGEM LOCAL

Em seus 42 anos de história, completados no próximo sábado, o teatro Oficina, no Bixiga, abrigou dramas e tragédias invariavelmente sob as perspectivas da alegoria ou da celebração.
Foi assim em "Ham-Let" (1993), de William Shakespeare, ou em "As Bacantes" (1996), de Eurípides, para citar os clássicos.
No projeto "Os Sertões", cultivado há pelo menos 14 anos, José Celso Martinez Corrêa reforça a sua compreensão do trágico inspirada no filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), o último discípulo do filósofo Dioniso, como definia a si mesmo, referindo-se ao deus grego da fertilidade, do vinho, do teatro.
"O dizer sim à própria vida, mesmo nos seus mais estranhos e mais duros problemas; a vontade de viver, que se alegra com o sacrifício dos seus tipos mais elevados; a própria inesgotabilidade -eis o que chamo diagnóstico, eis o que adivinhei como a ponte para a psicologia do poeta trágico. Não para se livrar do terror e da compaixão, não para se purificar de uma emoção perigosa mediante a sua descarga veemente (assim o entendera Aristóteles), mas, para, além do terror e da compaixão, ser ele mesmo o eterno prazer do devir -prazer que encerra em si também a alegria do aniquilamento", discorre Nietzsche em "O Crepúsculo dos Ídolos ou Como se Filosofa com o Martelo" (1888). Curiosamente, o símbolo do grupo e do teatro Oficina é uma bigorna.
Para Zé Celso, a natureza da vida é trágica. "Minha vida é trágica. Todos vivemos a tragédia, mas fingimos que é drama. Se aceitássemos a tragédia, seríamos mais corajosos. A gente vararia mais limites, criaria mais. Os gregos tinham essa sabedoria. Não se perdiam em pequenos coisas, não perdiam tempo. Quem é trágico aproveita a vida. O drama se poupa", afirma o diretor.
O homem adaptado, o homem médio, conclui o encenador, não teria a consciência trágica da vida, mas dramática, voltada para a sua inserção na sociedade.
Neste caso, Zé Celso cita o próprio Euclydes da Cunha (1866-1909), cuja trajetória pessoal faz par com as tragédias gregas.
Leitor de Ésquilo, Sófocles e Eurípides, o escritor foi enredado por uma tragédia pessoal. Enciumado pelo abandono de sua mulher, decide, como ditava a época, cobrar a honra com o amante dela. Tombou numa troca de tiros, a 15 de agosto de 1909, no Rio.
"Ao agir como os heróis antigos ou os valentões sertanejos, Euclydes transformou sua vida numa ficção trágica", afirma o pesquisador euclydiano Roberto Ventura (1957-2002).
Tal qual o personagem Hamlet, de Shakespeare, o filho de Euclydes tentou vingar a morte do pai e também foi assassinado.
Zé Celso lembra que Antônio Conselheiro (1830-97), o líder espiritual e político do arraial de Canudos, também perdeu a mulher para um outro, mas tampouco procurou a vingança. Antes, peregrinou e arrastou consigo milhares de seguidores.
Rumo ao enfrentamento teatral do massacre de milhares de conselheiristas e soldados na Guerra de Canudos, cume da última parte do livro, o coletivo Oficina vai colhendo vida. No ensaio aberto de "O Homem", no dia de São Pedro, em junho, a atriz Anna Guilhermina, grávida, teve a bolsa rompida no teatro e foi dar à luz Lírio, já no hospital. O bebê é uma das pessoas a quem o espetáculo é dedicado. Seu cordão umbilical está enterrado, literalmente, no coração do Oficina. (VS)


OS SERTÕES - O HOMEM 1. De: José Celso Martinez Corrêa, Fernando Coimbra, Tommy Pietra e Catherine Hirsch. Com: grupo Oficina Uzyna Uzona. Direção musical: Marcelo Pelegrini. Músicos: Deko, Alex Sandro dos Santos, Emerson Ribeiro e Otávio Ortega. Coreografia: Maura Baiocchi e Wolfgang Panek. Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, SP, tel. 0/xx/11/3104-0678). Quando: estréia sex., para convidados; e sáb., para o público; sáb. e dom., às 18h; até 26/10. Quanto: R$ 20.


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