São Paulo, quarta-feira, 12 de setembro de 2001

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Sétimo mercado de CDs, Brasil não tem revistas pop

CLAUDIA ASSEF
DA REPORTAGEM LOCAL

Com o fim da "Showbizz" e a chegada incerta da "Rolling Stone" ao país, o brasileiro que procura uma boa revista sobre música e cultura pop nas bancas é obrigado a recorrer a publicações importadas. O fato não seria tão chocante não fosse o país historicamente um dos maiores mercados consumidores de CDs do mundo.
Em 2000, por exemplo, o Brasil comercializou o equivalente a US$ 725 milhões em discos, montante que colocou o país como o sétimo maior mercado fonográfico do ano.
Foram vendidos quase 105 milhões de CDs, descontando-se aí o volume assustador comercializado no mercado pirata. Como explicar, então, o fato de o Brasil gostar tanto de música, mas não conseguir sustentar publicações sobre o tema?
A pergunta fica mais complicada quando se olha para o vizinho. A Argentina, mercado infinitamente menor do que o brasileiro, tem duas das revistas mais bacanas de música do planeta: uma versão da norte-americana "Rolling Stone" e a "Les Inrockputibles", revista francesa que há cinco anos circula no país em versão nacionalizada.
A pedido da Folha, profissionais que lidam diariamente com o mercado fonográfico tentaram desvendar o mistério.

Folha - Por que o Brasil não tem hoje uma revista sobre música e cultura pop?
Pedro Só, 33, editor do site Usina do Som -
Temos um índice baixíssimo de leitura, seja de livros ou revistas, per capita e é preciso lembrar que jamais houve uma revista brasileira decente cujo projeto editorial abraçasse todos os segmentos do mercado. Existem as revistas "trade", voltadas para lojistas, para o "meio". Mas as que estão aí hoje não são jornalisticamente sérias, estão mais para o que se chama de "jabazine".
É fácil culpar as gravadoras, que não hesitam em apoiar os "jabazines" e que, em vários momentos, deixaram de anunciar em projetos como a "Bizz/Showbizz", que não lhes permitia determinar quem estaria na capa nem o teor das críticas. Mas uma coisa precisa ficar clara: neste país, revista de pop/rock é coisa segmentadíssima, que despreza as mais gordas fatias do mercado em nome de um sectarismo que não faz mais sentido para a maioria dos jovens.

Emerson Gasperin, 30, último editor da "Showbizz" - Levando-se em consideração que a "Bizz" era uma revista de porte médio, não faz tanto tempo assim que o Brasil está sem um veículo decente de música. Mas, nos últimos 16 anos, existiu esse veículo -sem falar nas revistas que abordam gêneros específicos de música (metal, rap etc.)- que, bem ou mal, estão aí até hoje. Não sei se o fato de o país ser um grande mercado fonográfico tem relação imediata com a manutenção de uma revista de música. As poucas ocasiões em que as pautas coincidem com a lista dos mais vendidos são com artistas como Renato Russo, Axl Rose, Nirvana... ou febres, como Mamonas ou Los Hermanos.
Aí acontece o seguinte: se você botá-los na capa, seu produto vende que é uma beleza, por atrair leitores que não são frequentes compradores de sua revista. No mês seguinte, com alguma capa mais "normal", os números desmoronam novamente. Se pegarmos a lista dos artistas que mais vendem discos, veremos que a maioria deles não aparece em revistas de música e, sim, em revistas de famosos e/ou fofoca. Por que, então, as revistas de música não abordam esses artistas? Simples: porque o que interessa aos fãs desses artistas é saber quem o cara anda namorando, qual o seu carro, onde ele vai à noite.

André Barcinski, 33, jornalista - É um paradoxo difícil de explicar. Não acho que seja por desinteresse dos leitores. Um dos maiores problemas, acho, é a concorrência dos jornais. Na Europa e nos EUA, os jornais diários não cobrem a cena musical com muito afinco, deixando essa função com as revistas especializadas. No Brasil, eles fazem uma cobertura musical muito mais abrangente. Acho que uma revista de música, para fazer sucesso no país, teria de fazer uma cobertura diferente da dos jornais, talvez investindo em grandes reportagens.

Carlos Eduardo Miranda, 39, diretor artístico da gravadora Trama -°Às vezes acho que boa parte do público interessado em música não é tão interessado em ler sobre música. E também tem o seguinte: para fazer uma revista de bom conteúdo e boa apresentação é preciso bastante dinheiro. Para compensar, seria necessário vender bem. Para isso, seria necessário atingir um público diversificado. Expandindo o leque de público acaba-se limitando a liberdade de opinião da revista, forçando-a a ser "simpática".

André Forastieri, 36, dono da editora Conrad - Nos países pobres em geral é assim. No G-7 existem mais revistas de porte médio tratando de música, e elas são sustentadas por gravadoras e promotores de shows -assim como revistas de bicicleta são sustentadas por fabricantes de bicicleta e promotores de corridas.
Revistas de porte grande sobre música, isso não existe. Um, porque mercados e gostos são hoje segmentados. Dois, porque o que se chama de revista grande de música é a "Rolling Stone", que trata música como um gancho para tratar de comportamento, celebridades etc. Três, porque gostar de rock/pop internacional é coisa de elite no Brasil, que hoje já está bem atendida pela web e pela MTV.

Folha - Há espaço para uma "Rolling Stone" brasileira?
Gasperin
- Não sei se acredito, mas, com certeza, torço para isso. Gosto da idéia de achar na banca um veículo em português sobre cultura pop. Aliás, é preciso ressaltar: a "Rolling Stone" há muito deixou de falar só de música. Suas capas exibem estrelas de cinema, da TV, modelos, enfim, ícones da cultura pop. No Brasil, pop é TV. Será que a gostosa da novela da Globo seria capa da "Rolling Stone" nacional? Por que não?

Miranda - Com certeza. A mistura a que ela se propõe pode funcionar muito bem. Pop com conteúdo. Informação e crítica.



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