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São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 2003

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O espectador tem sempre razão?


Hollywoodiana, a prática de testes com público-alvo de filmes inéditos cresce no Brasil, sem unanimidade

Cineastas divergem sobre eficácia dos resultados e o impacto de seu uso nas decisões de lançamentos



SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Ouvir a opinião do público sobre um filme que não estreou (e mudá-lo em razão dos palpites) é uma prática corriqueira em Hollywood, que começa a se tornar comum também no Brasil.
Mas os cineastas nacionais se dividem entre os otimistas e os reticentes com seus resultados. Além de eventualmente alterar os filmes, as pesquisas influem na decisão sobre o número de cópias com que chegarão ao mercado, porque servem como base de cálculo para o público total que a produção poderá atingir.
As pesquisas orientam ainda a confecção de peças promocionais, como o trailer. Ajudam a definir, enfim, quanto dinheiro será gasto em divulgação.
A cineasta Laís Bodanzky adotou a técnica quando dirigiu "Bicho de Sete Cabeças" (2001). "Foi um susto. Vimos que o filme não funcionava. As pessoas não se envolviam como queríamos", diz.
Para corrigir "as falhas que não se percebem na leitura do roteiro", Bodanzky não tinha como refilmar cenas, porque o custo adicional seria inviável à produção.
O jeito foi "botar a cabeça para pensar numa solução", apenas reeditando o material. A diretora terminou por suprimir diversas cenas e cinco personagens do filme. "Para o realizador, isso é muito cruel. Fiquei no limite da depressão", diz. Mas acha que foi melhor "tomar o susto nessa hora do que com o filme em cartaz". "Bicho de Sete Cabeças" fez 450 mil espectadores no Brasil.
"Esses testes de público foram sempre meus maiores inimigos na publicidade", diz o diretor Fernando Meirelles ("Cidade de Deus", 2002). "É uma cultura importada dos Estados Unidos. Em geral, o público nunca gostava das montagens ou das versões que eu considerava melhores ou mais estimulantes e sempre optava pelo que já se conhecia", afirma.
Meirelles acha que, aplicada ao cinema, essa técnica conduz ao risco de "o distribuidor se assustar com a reação do público e parar de acreditar no projeto, tirar a verba de divulgação". Ele diz lembrar de "casos na publicidade em que a agência brigou com o cliente, bancou um projeto que havia sido rejeitado nas pesquisas e se deu muito bem".
Sandra Werneck, que termina de filmar o longa "Cazuza" amanhã, diz que jamais usou pesquisas em seus filmes, mas não rejeita a aplicação ao novo longa, "se [o produtor] Daniel Filho quiser".
"Até gostaria de ver a reação [da platéia-teste], mas não sei se é tão ao pé da letra como se fala. O diretor tem de acreditar na sua idéia."
O produtor Diler Trindade acha que as pesquisas são fundamentais para quem, como ele, faz "filmes de produtor, voltados para um mercado específico". Trindade está por trás dos longas de Xuxa, Renato Aragão e agora prepara a entrada no mercado do "filme religioso", com "Maria - A Mãe do Filho de Deus" (estréia prevista para 10 de outubro), com o padre Marcelo Rossi.
O produtor utiliza pesquisas com o público-alvo de seus filmes na fase do roteiro. É a própria produtora de Trindade que recruta os participantes e conduz a pesquisa. "Muita gente nos chama de loucos por mudar um filme ouvindo oito, 16 pessoas. Respondo: e vocês, que não ouvem ninguém?"
O sociólogo Antônio Lavareda, da MCI (Marketing, Estratégia e Comunicação Empresarial), propõe a profissionalização dos testes de público, em sintonia com "um momento em que o cinema, como negócio, entra num patamar que justifica, e talvez até exija, procedimentos mais acabados".
Para o lançamento de "Lisbela e o Prisioneiro", ocorrido no mês passado, Lavareda utilizou pela primeira vez no Brasil os mesmos métodos aplicados em Hollywood. Com a ajuda de aparelhos, a pesquisa mede não apenas a opinião geral, mas também as curvas de satisfação e desagrado do espectador durante todo o filme. Uma pesquisa nesses moldes, feita no Rio e em São Paulo, custa em torno de R$ 100 mil. "Na infância da publicidade brasileira, havia tremenda reação dos diretores de criação [às pesquisas]. Hoje, quando isso existe, é episódico. A mesma coisa vai acontecer na indústria cinematográfica, quando os diretores entenderem que isso é para ajudá-los", diz.


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