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ERUDITO
"Bug Jargal", do compositor José Cândido da Gama Malcher, é apresentada na capital paraense hoje e quarta-feira
Festival em Belém resgata ópera brasileira após 114 anos
GABRIELA LONGMAN
ENVIADA ESPECIAL A BELÉM
Depois de 114 anos longe dos
palcos, a ópera "Bug Jargal", do
compositor brasileiro José Cândido da Gama Malcher (1853-1921),
ganhou nova encenação cuja estréia, no sábado, arrancou aplausos do público que enchia o Teatro da Paz, em Belém (PA). Além
do enredo, outra história corre
paralela à remontagem: a restauração da partitura original pelo
musicólogo Márcio Pessoa, a revisão desta pelo maestro Roberto
Duarte e os esforços do diretor
Cléber Papa para, com a falta de
anotações dramatúrgicas, recriar
a montagem de maneira que refletisse a original.
"Tivemos um diálogo especial
com a regência e uma pesquisa
iconográfica de 1.500 imagens",
explica Papa. Com seis solistas,
dez bailarinos e 60 membros no
coro, o elenco conseguiu transpor
os espectadores para a antiga colônia francesa de São Domingos
(atual Haiti), local que serve como
pano de fundo ao enredo "capa e
espada", como definiu o diretor.
A ação transcorre entre 1790 e
1791, durante a revolução de escravos que conseguiu transformar o Haiti na primeira república
negra das Américas. Escrita em
1890, a ópera se baseia no livro homônimo de Victor Hugo datado
de 1826, o que explica o caráter nitidamente romântico e folhetinesco do enredo -o personagem-título, líder do movimento
rebelde (inspirado na figura histórica de Toissant L'Overture),
apaixona-se por Maria, moça
branca e filha de seu patrão, o que
origina não um triângulo, mas
um pentágono amoroso. Considerada a primeira ópera brasileira
do período republicano, "Bug Jargal" tem ainda duas récitas, hoje e
na quarta, que integram a programação da quarta edição do Festival de Ópera do Teatro da Paz.
Recursos de produção
"Interpretar Bug [Jargal] é impressionante. O papel traz consigo uma carga emocional muito
forte e de alguma maneira me remete às minhas origens", conta o
tenor Eduardo Itaborahy. Por não
possuir a pele suficientemente escura para o papel, Itaborahy ganhou uma maquiagem/pintura
sobre o corpo, recurso que obrigou a produção a forrar com papel as paredes do histórico teatro.
Segundo o tenor, a identificação
dos brasileiros com o tema é imediata, já que a descriminação fez e
faz parte da nossa história. "Estamos no Haiti, mas é impossível
não pensarmos no Brasil", disse o
intérprete.
O baixo José Gallisa interpreta
aquele que substituirá Bug Jargal
no poder. Segundo Gallisa, o mais
relevante é a possibilidade de resgate de um compositor e de uma
ópera que o público geralmente
desconhece.
"O meu personagem foi tirado
do livro de Victor Hugo, mas é
marcante a passagem feita pelo
Gama [Malcher] para a linguagem poética", explica.
No quarto ato, um número de
balé torna a encenação peculiar:
trata-se de uma cena em que escravos negros, após a vitória da
revolta, dançam minueto satirizando os costumes de origem
francesa.
O Haiti não é aqui, como tampouco é aqui o teatro Scalla de Milão. De qualquer jeito, esses universos curiosamente se entrecruzam e se fazem um pouco mais
presentes para quem assiste a
"Bug Jargal" em plena Belém.
Bug Jargal
De: José Cândido da Gama Malcher
Libreto: Vicenzo Valle
Direção musical e regência: Roberto Duarte
Direção cênica: Cléber Papa
Com: Orquestra Sinfônica do Teatro da
Paz e Coral Lírico Marina Monarcha
Solistas: Eduardo Itaborahy (tenor),
Inácio de Nonno (barítono), Sávio
Sperandio (baixo), Gabriela Pace
(soprano), Edinéia de Oliveira (meio-soprano) e José Gallisa (baixo)
Quando: hoje e quarta, às 20h
Onde: Teatro da Paz (r. da Paz, s/n.º,
Belém (PA), tel. 0/xx/91/4009-8757)
Quanto: de R$ 10 a R$ 40
A jornalista Gabriela Longman viajou a convite do Festival de Ópera do Teatro
da Paz
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