São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2005

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ERUDITO

"Bug Jargal", do compositor José Cândido da Gama Malcher, é apresentada na capital paraense hoje e quarta-feira

Festival em Belém resgata ópera brasileira após 114 anos

GABRIELA LONGMAN
ENVIADA ESPECIAL A BELÉM

Depois de 114 anos longe dos palcos, a ópera "Bug Jargal", do compositor brasileiro José Cândido da Gama Malcher (1853-1921), ganhou nova encenação cuja estréia, no sábado, arrancou aplausos do público que enchia o Teatro da Paz, em Belém (PA). Além do enredo, outra história corre paralela à remontagem: a restauração da partitura original pelo musicólogo Márcio Pessoa, a revisão desta pelo maestro Roberto Duarte e os esforços do diretor Cléber Papa para, com a falta de anotações dramatúrgicas, recriar a montagem de maneira que refletisse a original.
"Tivemos um diálogo especial com a regência e uma pesquisa iconográfica de 1.500 imagens", explica Papa. Com seis solistas, dez bailarinos e 60 membros no coro, o elenco conseguiu transpor os espectadores para a antiga colônia francesa de São Domingos (atual Haiti), local que serve como pano de fundo ao enredo "capa e espada", como definiu o diretor.
A ação transcorre entre 1790 e 1791, durante a revolução de escravos que conseguiu transformar o Haiti na primeira república negra das Américas. Escrita em 1890, a ópera se baseia no livro homônimo de Victor Hugo datado de 1826, o que explica o caráter nitidamente romântico e folhetinesco do enredo -o personagem-título, líder do movimento rebelde (inspirado na figura histórica de Toissant L'Overture), apaixona-se por Maria, moça branca e filha de seu patrão, o que origina não um triângulo, mas um pentágono amoroso. Considerada a primeira ópera brasileira do período republicano, "Bug Jargal" tem ainda duas récitas, hoje e na quarta, que integram a programação da quarta edição do Festival de Ópera do Teatro da Paz.

Recursos de produção
"Interpretar Bug [Jargal] é impressionante. O papel traz consigo uma carga emocional muito forte e de alguma maneira me remete às minhas origens", conta o tenor Eduardo Itaborahy. Por não possuir a pele suficientemente escura para o papel, Itaborahy ganhou uma maquiagem/pintura sobre o corpo, recurso que obrigou a produção a forrar com papel as paredes do histórico teatro. Segundo o tenor, a identificação dos brasileiros com o tema é imediata, já que a descriminação fez e faz parte da nossa história. "Estamos no Haiti, mas é impossível não pensarmos no Brasil", disse o intérprete.
O baixo José Gallisa interpreta aquele que substituirá Bug Jargal no poder. Segundo Gallisa, o mais relevante é a possibilidade de resgate de um compositor e de uma ópera que o público geralmente desconhece.
"O meu personagem foi tirado do livro de Victor Hugo, mas é marcante a passagem feita pelo Gama [Malcher] para a linguagem poética", explica.
No quarto ato, um número de balé torna a encenação peculiar: trata-se de uma cena em que escravos negros, após a vitória da revolta, dançam minueto satirizando os costumes de origem francesa.
O Haiti não é aqui, como tampouco é aqui o teatro Scalla de Milão. De qualquer jeito, esses universos curiosamente se entrecruzam e se fazem um pouco mais presentes para quem assiste a "Bug Jargal" em plena Belém.


Bug Jargal
De: José Cândido da Gama Malcher
Libreto: Vicenzo Valle
Direção musical e regência: Roberto Duarte
Direção cênica: Cléber Papa
Com: Orquestra Sinfônica do Teatro da Paz e Coral Lírico Marina Monarcha
Solistas: Eduardo Itaborahy (tenor), Inácio de Nonno (barítono), Sávio Sperandio (baixo), Gabriela Pace (soprano), Edinéia de Oliveira (meio-soprano) e José Gallisa (baixo) Quando: hoje e quarta, às 20h
Onde: Teatro da Paz (r. da Paz, s/n.º, Belém (PA), tel. 0/xx/91/4009-8757)
Quanto: de R$ 10 a R$ 40


A jornalista Gabriela Longman viajou a convite do Festival de Ópera do Teatro da Paz


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