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Crítica/exposição/"Faz Parte"
Carvalhosa duplica experiência do cubo branco das galerias
Artista buscou alternância e complementaridade em duas mostras em SP; trabalho está agora só na galeria Raquel Arnaud
JOÃO BANDEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Sempre é importante saber o quê. E, se for arte, o
"como" costuma ser até
mais. De todo modo, em qualquer parte, "onde" e "quando"
são o mínimo que se quer para
começar. O negócio é que "Faz
Parte", de Carlito Carvalhosa,
se faz de muito pouco e coloca
tudo o que é básico -e até o
que não é- num regime indecidível de alternância e complementaridade.
No momento, o trabalho está
no Gabinete de Arte Raquel Arnaud. Durante algum tempo,
esteve simultaneamente na galeria Millan, com montagem
bastante semelhante à do gabinete: nos dois casos, espécies de
duplicação dos cubos brancos
das galerias, em ambientes sem
portas e quase inteiramente vazios, delimitados por um tecido
leve e translúcido, com a ajuda
de luz fria, e atravessados de
vez em quando por um ou outro
ruído casual, que parece não vir
dali. Um som que passa.
Mas logo afloram diferenças,
em remissão cruzada. Na Millan, a luz vem do alto, em três
espaços conjugados, nem todos
vazios. Num deles, estão umas
poucas peças redondas de vidro, como grandes lentes, deixadas no chão. No Gabinete, as
lentes estão sobre uma mesa e
uma base baixa, fora da área delimitada pelo tecido, que é uma
só, com duas fontes de luz, na
frente e no fundo dessa sala-dentro-da-sala. Nas outras laterais, por detrás dos panos, espelhos: espelho claro de um dos
lados, escuro do outro.
Andar no espaço estreito que
sobra entre o pano branco e a
parede nua, numa galeria, ou
entre pano e paredes espelhadas, na outra, são experiências
bem diferentes -assim como
ambas são diferentes de estar
dentro de uma das salas de pano, onde se entra levantando
qualquer parte do tecido. Além
disso, os sons ouvidos numa galeria são captados na outra depois do expediente, por um microfone durante toda a noite,
para então serem reproduzidos
no dia seguinte na primeira galeria, e vice-versa, num tipo de
defasagem de tempo e lugar.
Desencontro marcado
As diferenças são, no entanto, impurezas do branco, não
tantas assim que cheguem a
cancelar a relação de participação entre os dois lugares. Tudo
se passa como se, ao entrar numa dessas salas, em que nada
de mais acontece, só nos fosse
oferecido um reles "isto é isto".
Mas se existe (ou existiu, não
importa) um quase-duplo desse lugar em outra parte, "isto é
aquilo" também. Demorando-se mais um pouco ali, a experiência de um E/OU corporificado talvez comece a medrar. E
ela pode ser muitas coisas, menos pacífica. Diferenças ressaltam justamente porque em cada parte há pouca coisa, tão
pouca que cada agora, aqui, isto, aquilo é muito -tanto faz se
numa ou se noutra montagem.
"Faz parte", o dito mal resignado de todo dia, passa a incluir
também fazer a parte, realizar
integralmente uma parcela,
aqui e agora, levando em conta
lentes e fios aparentes como alguma sobra que, afinal, faz parte, sabendo sempre que resta
outro pedaço lá e então. Não
parece uma figura estranha ao
desencontro marcado que caracteriza há tempos o trabalho
de Carlito. Nem ao modo de vida mais e mais imerso naquele
sentimento de não estar de todo, na volatilidade da presença
com que fazemos do mínimo sinal, para o mal e/ou para o bem,
um acontecimento.
JOÃO BANDEIRA é artista visual e poeta.
FAZ PARTE
Quando: até amanhã, das 12h às 16h;
hoje, das 10h às 19h
Onde: Gabinete de Arte Raquel Arnaud
(r. Artur de Azevedo, 401,
tel. 0/xx/11/3083-6322)
Quanto: entrada franca
Avaliação: ótimo
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