São Paulo, sábado, 12 de setembro de 1998

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LIVRO - LANÇAMENTOS
Escritora quer narrador desapaixonado

CECÍLIA SAYAD
da Redação


Oitenta e um anos de idade, 21 de carreira literária. Vários prêmios na Inglaterra e Estados Unidos (entre eles o Booker Prize e o National Critics Circle Award). Elogios da crítica internacional -"Washington Post", "The New York Times" e "Observer"- e, até este ano, nenhum livro publicado no Brasil.
A escritora britânica Penelope Fitzgerald estréia finalmente no país com o seu 11º romance, "A Flor Azul", editado pela Bertrand Brasil, que adquiriu o direito de publicação de toda a sua obra.
O livro é uma reconstituição livre da paixão do poeta e pensador alemão do século 18 Friedrich von Hardenberg, conhecido como Novalis na posteridade e como Fritz na intimidade, por uma menina de 12 anos, Sophie.
Baseado em diários e cartas de Novalis, "A Flor Azul" apresenta também um pouco da filosofia do poeta e esboça um retrato da época em que ele viveu.
"Escrever é algo natural para mim, mas é certo que comecei tarde", disse a autora à Folha, em entrevista realizada por fax, sobre o fato de ter publicado o seu primeiro livro aos 60 anos de idade.
"Lamento nunca ter sido uma jovem escritora, o que teria sido muito emocionante", conclui Penelope, que no entanto teve uma carreira feliz desde o início.
Seu romance "Offshore", de 1979, que narrava as aventuras de uma família vivendo em um barco no rio Tâmisa, rendeu à autora o Booker Prize daquele ano.
A escrita, na verdade, sempre fez parte da vida de Penelope. A autora, que nasceu em Lincoln e atualmente vive em Londres, trabalhou em diversos jornais na capital britânica e na rede BBC.
Leia a seguir os principais trechos da sua entrevista.

Folha - "A Flor Azul" é um romance inspirado em um fato verídico. O que, no livro, realmente aconteceu, e o que é pura invenção?
Penelope Fitzgerald -
O livro baseou-se na vida, nas cartas e diários de Novalis (cujo nome verdadeiro era Friedrich von Hardenberg). Adicionei apenas um personagem imaginário, Jacob Dietmahler, o estudante de medicina. Só não tenho certeza se Karoline (a melhor amiga de Fritz) era realmente apaixonada por ele, mas acredito que isso é muito provável.
Folha - O que a fez escolher a vida de Novalis como tema?
Fitzgerald -
O motivo é meio estranho. Uma das minhas flores favoritas é originária do Himalaia e de cor azul. Ela pode, hoje em dia, crescer na Inglaterra. Penso que, se Novalis tivesse tido a oportunidade de conhecer essa flor, teria encontrado nela o sentido da flor azul sobre a qual escreveu. Isso foi o que me atraiu em Novalis, além de sua curta e, num certo sentido, romântica vida.


"A comunicação é o que importa, bem mais que a expressão de si mesmo"

Folha - Apesar de narrar um drama, seu livro possui ironia e senso de humor, o que distancia o narrador da história. Esse distanciamento não dá a ele uma presença tão forte quanto a dos personagens?
Fitzgerald -
Acho que, quanto mais triste a história, maior a necessidade de um narrador desapaixonado. Esse contraste, eu espero, torna as emoções dos personagens mais credíveis junto ao público.
Folha - Qual a importância do narrador?
Fitzgerald -
Trata-se de um elemento fundamental. É ele quem faz a conexão entre o escritor e o contador de histórias, que lhe deu origem.
Folha - O ponto de vista adotado pelo narrador é o ponto de partida para sua escrita ou algo que surge no decorrer do trabalho?
Fitzgerald -
A primeira coisa que faço é escrever o primeiro e o último parágrafos, que vão definir o ponto de vista. Então posso começar o livro.
Folha - O amor romântico descrito em sua obra é possível nos dias de hoje?
Fitzgerald -
Não vejo como o movimento romântico que marcou o século 18 possa retornar. Mas o amor romântico, enquanto a raça humana existir, vai estar sempre presente.
Folha - O verdadeiro amor é aquele "impossível" ou platônico?
Fitzgerald -
Procurei descrever várias formas de amor verdadeiro -entre irmãos, entre amantes, o amor sem esperanças (como o de Karoline por Fritz). Alguns são possíveis, outros não. Mas todos são verdadeiros.
Folha - Fritz diz que Sophie é sua sabedoria, sua filosofia. Existe uma relação com a idealização romântica da inocência e da pureza da infância?
Fitzgerald -
Não acho que Fritz estivesse interessado nesse aspecto ressaltado por Rousseau e Blake. Eu definiria Sophie mais como uma pré-adolescente inquieta e de maneiras simples. Ele apenas a via como a guardiã de sua inspiração.
Folha - No livro, Fritz diz a Karoline que a linguagem só se refere a si mesma e não é capaz de exprimir coisas. Como é, sendo escritora, ter que utilizá-la como principal forma de expressão?
Fitzgerald -
A linguagem é uma barreira, mas não deixa de ser útil. Novalis era um universalista que acreditava, por exemplo, que devemos aprender que a música e a matemática são a mesma coisa, e que houve uma época em que as plantas, os animais, o sol, a terra e as estrelas eram capazes de se comunicar entre si. A comunicação é o que importa, mais do que a expressão de si mesmo.
Folha - A inspiração, para a senhora, é algo que demanda concentração e disciplina ou pode surgir a qualquer momento?
Fitzgerald -
Escrever certamente demanda concentração e disciplina, mas, como a maioria das mulheres, incluindo as que já são avós, o que é o meu caso, não tenho muito tempo para isso e acabo tendo que fazer um esforço para encaixar essa atividade no meu dia-a-dia.



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