|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ironia aproxima leitor do romance
da Redação
Quem acreditaria, hoje, que a
paixão de um jovem de vinte e
poucos anos por uma menina de 12
pudesse ser desprovida de malícia
e não consistir em alguma forma
de deformação de caráter?
Em tempos de sites dedicados à
pornografia infantil na Internet, de
notícias de pedofilia e abuso de
menores, de filmes "Lolita" baseados na obra do escritor russo Nabokov no cinema (dois estão em
cartaz em São Paulo, um de Adrian
Lyne e outro de Stanley Kubrick),
situar uma paixão desse tipo no século 18 e dar-lhe um caráter diferente -leia-se puro e utópico-
sem torná-la por demais ingênua
ou inverossímil é tarefa das mais
árduas.
Uma saída é não levar a história a
sério. Outra é optar pelo caminho
que Penelope Fitzgerald tomou em
seu "A Flor Azul" -o de trazer à
tona o que ela tem de ironia.
No século 18, o jovem poeta Friedrich von Hardenberg, que passou
para a posteridade como Novalis,
apaixona-se pela jovem Sophie, 12,
de comportamento tão infantil
quanto o que seria natural para a
sua idade. É justamente essa infantilidade (ou ingenuidade) que atrai
Fritz (apelido de Friedrich) e que
faz de Sophie a sua "sabedoria".
Ou seja, não é o frescor de sua
carne o que faz o jovem perder a
cabeça, mas o de seu espírito. É isso o que coloca esse amor a anos-luz de qualquer referência que se
tem do assunto hoje.
É então que entra o talento de Penelope, que não inventou essa paixão -baseou-se em cartas e diários de Novalis para escrever o livro-, mas a reconstituiu sem ignorar a época em que vive.
Daí o humor presente em sua
narrativa, a única saída que parece
viável para um autor que pretende
descrever um amor impossível do
século 18 em fins do século 20.
Humor que resulta em ironia e
distancia o narrador dos acontecimentos, mas também o aproxima
do leitor de hoje, traz a história para mais perto dele.
Penelope fica no meio do caminho entre as duas épocas. Oferece
um olhar contemporâneo à história -como quando parece ver
com ironia o fato de o diário de Sophie registrar diversas vezes a frase
"Hoje ficamos outra vez sozinhos e
não aconteceu nada de importante.", vendo nisso o tédio que a vida
da época despertaria hoje- sem
"adaptá-la" à atualidade.
Respeita, apesar de seu humor,
os fatos que descreve -o que lhe
permite não retirar da história sua
carga de drama e tragicidade.
Sua "modernidade" está presente também na rapidez que marca
sua narrativa, que a faz passar de
um evento a outro quase sem que o
leitor se dê conta. Recurso que parece buscar a fluidez da leitura,
muitas vezes resulta em entrave,
deixando a impressão de que há lacunas na narrativa, mas que não
impede que se crie uma atmosfera
envolvente.
(CS)
˛
Livro: A Flor Azul
Autor: Penelope Fitzgerald
Lançamento: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 29 (272 págs.)
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|